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Estado de Minas PENSAR

Pilar del Río: 'Saramago disse que era preciso fortalecer a democracia'

Mulher do escritor português afirma que as obras dele fazem os leitores se sentirem mais humanos


25/11/2022 04:00 - atualizado 25/11/2022 00:33

Pilar del Rio com José Saramago
Pilar del Rio com José Saramago, com quem viveu entre 1986 e 2010, até a morte dele, em Lanzarote (foto: FUNDAÇÃO JOSÉ SARAMAGO/DIVULGAÇÃO)

 

 

“José Saramago era um intelectual, um homem que pensava, por isso temia que acontecesse o que está acontecendo: pandemias incontroláveis, guerras, caos ambiental, cegueira moral e da razão”, diz a jornalista Pilar del Rio, mulher do escritor português e presidente da Fundação José Saramago, em entrevista, por e-mail, ao Pensar, ao ser questionada sobre o que diria o autor de “Ensaio sobre a cegueira” sobre a tragédia mundial causada pela COVID-19. Ele afirmava que “era preciso fortalecer a democracia e para isso era preciso mais educação, mais cultura, mais responsabilidade”, lembra. “É o que tentamos dizer com a Declaração dos Deveres Humanos”, ressalta também a jornalista, em referência ao discurso de Saramago quando recebeu o Nobel de Literatura, em 1998. Para Pilar, o principal legado que José Saramago deixou são os seus livros, porque os leitores “se sentem mais humanos”. 

 

 
 

Como a planta chamada saramago em Ribatejo, os ideais humanistas da vida e da obra de José Saramago continuam a ser cultivados na cultura portuguesa e mundial 12 anos após o falecimento dele? Além da Fundação Saramago, qual o principal legado que Saramago deixou? Seriam também os “deveres” humanos defendidos no Nobel?

O principal legado de José Saramago para o mundo é a sua obra, aquela coleção de livros em que os leitores podem se sentir mais humanos, mais sólidos e também com mais sonhos. A obra de José Saramago acolhe os leitores, é reconfortante lê-la, é uma obra que respeita quem a lê porque é escrita com respeito. E está viva na vida cultural portuguesa, como em tantos outros lugares do mundo. Sim, “Deveres Humanos” foi uma proposta do discurso de aceitação do Prêmio Nobel retomada, anos depois, pela Universidade do México e por um grupo de juristas, ativistas, humanistas, enfim. Com a ajuda de muitos profissionais, foi elaborada a Declaração de Deveres, que já foi entregue às Nações Unidas e que divulgamos mundo afora porque sabemos que é uma iniciativa que nos defende como humanidade contra o assédio dos predadores do sistema.  

 

Três décadas antes da pandemia de COVID, Saramago escreveu “Ensaio sobre a cegueira” e disse em seus “Cadernos de Lanzarote”: “Estamos usando a razão contra a própria vida. Tentei dizer que ainda nos falta muito caminho para chegar a ser autenticamente humanos e que não creio que seja boa a direção em que vamos”. A senhora acredita que a pandemia reforçou essa constatação de Saramago, como o negacionismo da ciência e da vacina, por exemplo? É possível imaginar o que ele diria hoje diante dessa tragédia mundial e do avanço da extrema-direita?

José Saramago era um intelectual, um homem que pensava, por isso temia que acontecesse o que está acontecendo: pandemias incontroláveis, guerras, caos ambiental, cegueira moral e da razão. Saramago não era um profeta, era um cidadão com capacidade de observar e ver como nos aproximamos do abismo. O sistema exclui milhões de pessoas, que não têm como consumir, e dessas pessoas, que nasceram para ter uma vida feliz, faz com que sejam dominadas pelo medo e pela falta de perspectivas para si e para seus descendentes. Para piorar, usam as religiões, com elas controlam homens e mulheres, vítimas de insegurança e medo, pobres coitados que jamais sairão de seus guetos. Diante disso, José Saramago reagiu, dizendo que era preciso fortalecer a democracia e para isso era preciso mais educação, mais cultura, mais responsabilidade. É o que tentamos dizer com a Declaração dos Deveres Humanos.  

 

Escrever “A intuição da ilha” seria um tributo que a senhora presta a José Saramago?

É uma porta de entrada para a obra de José Saramago e também para a casa onde escreveu e pensou em como tornar a vida de tanta gente, a nossa vida, mais digna. É isso.

 

“Ao olhar para estas paredes, digo: 'Estão feitas com livros. Não tenho bens de outra natureza'”, disse José Saramago na entrevista ao escritor Humberto Werneck para a revista Playboy. A casa e a biblioteca em Lanzarote seguem em plena atividade como referência para a compreensão da vida de Saramago?

Absolutamente sim: a casa está aberta à visitação pública, é uma viagem literária e humanista pela vida de José Saramago, mas, sobretudo, pela grande literatura que nos formou e sustenta como seres humanos e culturais. Garanto-lhe que não sairá indiferente desta visita. É o que dizem as pessoas que por lá passaram e deixaram seus depoimentos. Convido-o a ir a Lanzarote.  

 

Qual o livro de José Saramago de que mais gosta? A senhora o ajudou na construção de algum livro ou personagem dele?

A cada dia tenho um livro preferido, vou mudando conforme mudam as horas e as estações. E não, não ajudei a construir nenhum personagem, os escritores são muito deles, têm suas ideias e as elaboram a partir da observação do mundo e de sua própria sensibilidade, jamais teria me metido em uma obra em construção. 

 

 

 


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