Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Machado de Assis, Lygia Fagundes Telles, Jorge Amado e Zélia Gattai, Chico Buarque, Caetano Veloso, Sebastião Salgado, Oscar Niemeyer e Célio de Castro. E ainda os profetas de Aleijadinho em Congonhas, de Ouro Preto e Salvador. No belo livro autobiográfico e ilustrado “Saramago – Os seus nomes: Um álbum biográfico”, edição de Alejandro Garcia Schnetzer e Ricardo Viel, que acaba de ser lançado no Brasil pela Companhia das Letras, o escritor português José Saramago, além de inúmeros personalidades internacionais de sua época e do passado, de amigos e amigas e lugares mundo afora onde esteve, revela sua amizade e admiração por brasileiros e brasileiras e as impressões das cidades visitadas. Fala, por exemplo, de sua identificação com o poema “E agora, José?”, do mineiro Carlos Drummond de Andrade: “Aquelas horas em que o mundo escureceu, em que o desânimo se fez muralha, fosse de víboras, em que as mãos ficaram vazias e atônitas”.
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E agora, José?
E agora, José,
A festa acabou,
A luz apagou,
O povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, José?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
E agora, José?
Carlos Drummond de Andrade, José, 1942
“Há versos célebres que se transmitem através das idades dos homens, como roteiros, bandeiras, cartas de marear, sinais de trânsito, bússolas – ou segredos. Este, que veio ao mundo muito depois de mim, pelas mãos de Carlos Drummond de Andrade, acompanha-me desde que nasci, por um desses misteriosos acasos, que fazem do que viveu já, do que vive e do que ainda não vive, um mesmo nó apertado e vertiginoso de tempo sem medida. Considero privilégio meu dispor deste verso, porque me chamo José e muitas vezes na vida me tenho interrogado: 'E agora, José?' Foram aquelas horas em que o mundo escureceu, em que o desânimo se fez muralha, fosse de víboras, em que as mãos ficaram vazias e atônitas. 'E agora, José?'. Grande, porém, é o poder da poesia para que aconteça, como juro que acontece, que essa pergunta simples aja como um tônico, um golpe de espora, e não seja, como poderia ser, tentação, o começa da interminável ladainha que é a piedade por nós próprios.”
“E agora, José?”, “A bagagem do viajante, 1973
Aleijadinho e Ouro Preto
“Há uma razão especial [para viajar a Minas Gerais]. É que acaba de ser publicado aqui, após ser publicado em Portugal no ano passado, meu romance ‘Memorial do convento’, que decorre no século XVIII entre 1711 e 1739 e que aborda a construção do Convento de Mafra, que foi financiado com a riqueza do Brasil e particularmente aqui de Minas Gerais. Ouro, diamante e tudo mais. Sendo assim, além do meu interesse pelo Barroco e eu não concebia como sequer possível vir ao Brasil e não ir a Ouro Preto e Congonhas. No fundo, esse meu desejo de vir a Minas, Ouro Preto, Congonhas, é para confirmar num sentido próprio, pôr a mão em cima, aquilo que eu via em fotografias. Tinha um conhecimento a duas dimensões e agora quero ter as três dimensões, pondo as mãos nos Profetas de Aleijadinho e vendo Ouro Preto, pondo as mãos em cima.”
Suplemento Literário de Minas Gerais, 3 de dezembro de 1983
Célio de Castro
“Durante uma breve estadia em Belo Horizonte foi me narrada pelo respetivo prefeito, o médico Célio de Castro, respeitadíssima figura de político, uma instrutiva história. Com estas ou semelhantes palavras, eis o que da boca dele ouvi: 'Quando o governo do Brasil anunciou o denominado pacote econômico, esse conjunto de medidas fiscais e administrativas destinadas a minorar as consequências do sismo financeiro mundial provocado pela crise da bolsa de Hong Kong e os seus efeitos na economia brasileira, uma mulher aqui residente veio à prefeitura e pediu para falar comigo. E o que ela me disse foi o seguinte: 'Prefeito, sei muito bem que não cabe nas suas competências o dever de resolver estas questões, mas peço-lhe ao menos que me explique porque razão não jogando eu na bolsa, não sabendo sequer como a bolsa funciona, vou ter de pagar os prejuízos daqueles que, quando ganharam, não partilharam comigo ou seus lucros'. A resposta que dei foi simples: 'Senhora, o absurdo não pode ser explicado'. Tenho-me interrogado (conclusão de Célio de Castro) se existirá uma respostas à pergunta daquela mulher, ou se estamos a viver num pesadelo feito de pesadelos, cada qual mais o absurdo do que os outros”.
“Cadernos de Lanzarote”, 7 de dezembro de 1997
“Saramago: Os seus nomes – Um álbum biográfico”
- Organizadores: Alejandro Garcia
- Schnetzer e Ricardo Viel
- 352 páginas
- Companhia das Letras
- R$ 199,90