“Agência de viagens”
Krystyna Dabrowska
(tradução de Piotr Kilanowski)
“Coisas pessoais”
A roupa de cama está arejando na
varanda. Não é mais a roupa de cama
dela.
Na varanda que não é mais
dela. Os melhores lençóis de
sua mãe.
Que está no campo de
concentração. A família toda está no
campo,
exceto ela, ela pode olhar para a sua
varanda, não mais a sua, na casa que não é
sua.
Foi tomada pelo oficial
alemão. E sua amante
polonesa.
A amante está diante dela no
corredor e faz não com a cabeça.
— Lhe devolvo as coisas
pessoais, mas a roupa de cama
fica.
Fique feliz, filha, que você não estava em
casa quando prenderam todos,
e que deixei você vir até
aqui e que está saindo daqui
viva.
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“Irmãos”
A mulher velha dança flamenco.
No seu esforço ainda persiste a antiga
leveza. É alta, magra como uma garça
corcunda,
tem a saia cheia de babados e as faces
afundadas. A velha mulher dança a nova,
que morreu durante a guerra.
Depois do espetáculo limpa a maquiagem, tira a
peruca e o vestido, veste as calças, o paletó
e se torna aquele que é fora do palco:
um homem, irmão da
assassinada. O homem velho
volta para casa.
Teceu seu ninho de farrapos do passado,
de fotografias, cartazes e recortes de jornais.
Entre eles, em todos os cantos, os vestidos que ele mesmo
borda: os pássaros exóticos multicoloridos.
E o retrato da irmã — costuma colocar flores perto
dele. Antes da guerra viajaram por toda a Europa,
famoso duo de bailarinos adolescentes.
Depois o gueto, a fuga, a separação.
Explicou a si mesmo que, se
sobreviveu, foi apenas para incorporá-
la na dança.
O velho bailarino prepara o
chá. Silêncio. Hora das luzes
apagadas.
Vai dormir em instantes, mas antes, assim como
estava, sem pó e sem traje, sapateia na entrada da
cozinha
ao ritmo do ósseo cascalhar das castanholas.
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Somos um dicionário. As nossas
línguas encontram-se entre capas
trêmulas.
Traduzem o corpo para a alma, a alma para o
corpo, o desejo, a satisfação para o suor e o
esperma.
No lugar de verbetes na ordem alfabética,
o alfabeto em liberdade, o «o» sussurrado, o «a» alto
e uma confusão de terminações masculinas e
femininas. Que nome os seus dedos têm para mim?
Como o meu ventre quente apelida você?
Nossas respirações — páginas
viradas em busca de palavras
desconhecidas, das quais que
sentença vai se formar?
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“Security questions”
Como os seus familiares lhe chamavam na
infância? Em que cidade o sr./a sra. conheceu
seu esposo/a?
Em qual rua o sr./a sra. morava aos oito anos de
idade? Qual é o nome do seu primeiro amor?
São as perguntas sugeridas pelo sistema
na página da embaixada dos Estados Unidos.
Respondo apenas uma, para receber a senha de
acesso e preencher on-line o formulário de visto.
São as questões de segurança, security
questions. Mas também perguntas de
perigo,
despertam o predador, a memória de olhos
vigilantes, que anda por seus próprios caminhos.
O nome da pessoa que faz o sr./a sra. se sentir
culpado/a? Defina em uma palavra seu medo mais
oculto.
Quando (ano/mês/dia) lhe aconteceu de
esperar alguém que era tudo e não apareceu?
Rostos, lugares, datas, vozes emaranhadas:
tento desatá-los em vez de preencher o
formulário. E o sistema não dá a mínima. Exige
qualquer palavra (nem precisa ser real) para fazer
o login.
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Tantas coisas eu não vivi com você.
Não conhecia você quando era um menino