Jornal Estado de Minas

PENSAR

'Samba de enredo: história e arte' ganha nova edição


 
Começo este texto com um desafio: você pode cantarolar um samba de enredo que marcou sua vida? Certamente, os versos vieram à memória. Quem não se emociona ao ouvir: “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós e que a voz da igualdade seja sempre a nossa voz”, cantado pela Imperatriz Leopoldinense de 1989? Os sambas de enredos – assim com o uso do “de” – são patrimônio cultural brasileiro como mostram Luiz Antonio Simas e Alberto Mussa na edição revista e ampliada de “Samba de enredo: história e arte”, lançada no início do mês em uma roda de samba de enredo no Rio de Janeiro.





A pesquisa para a escrita da obra, muito minuciosa e igualmente prazerosa, permite ao leitor resgatar sambas de enredo memoráveis, o que pode ser uma boa pedida tanto para os foliões que querem curtir a apresentação das escolas in loco, quanto para quem não é muito afeito à folia, mas reconhece a beleza dessas canções.

Os autores fazem uma costura das informações sobre o processo de criação dos sambas de enredo, do ponto de vista lírico, e como eles se relacionam com a história social do país. Simas e Mussa ouviram cerca de 1,6 mil canções gravadas até 2009 para fazer a análise.

Eles defendem a tese de que o samba de enredo é “o único gênero épico genuinamente brasileiro – que nasceu e se desenvolveu espontânea e livremente, sem ter sofrido a mínima influência de qualquer outra modalidade épica, literária ou musical, nacional ou estrangeira”. Simas e Mussa ressaltam as composições carnavalescas como gênero e o valor literário das letras.  

A beleza dos sambas enredos - e o que os tornam ontológicos –, conforme mostram os autores, se deve muito à temática, mas em grande medida pelo cuidado estético. “Embora a vinculação ao enredo seja um critério indispensável para definição de samba de enredo, certamente não é o único. Por se tratar de uma forma poética, o samba de enredo não pode ser compreendido sem que se defina sua unidade constitutiva fundamental: o verso.” O samba de enredo é um subgênero do gênero “samba”; portanto, segue uma construção rítmico-melódica.





Os sambas de enredo são analisados a partir de períodos, como “Malandro e regenerado”, “Carnavais de guerra e vitória: 1943-1946”. Os autores situam as primeiras obras-primas no período de 1947-1950. A análise também se estende para um critério definidor: a exigência de os sambas de enredo abordarem temas nacionais. Os autores detalham as razões dessa determinação e também a desobrigação desse critério em 1997.
 

Trecho do livro


“Diversas escolas de samba, sobretudo dos grupos de acesso, têm aberto mão, nos últimos anos, da realização das disputas em quadra e optado pela encomenda dos sambas de enredo a parcerias consagradas. Os argumentos geralmente utilizados por essas escolas incluem desde problemas de ordem financeira para realizar disputas eliminatórias de sambas até a garantia de obter assim um samba de melhor qualidade.” 

"Não há
Nesse mundo
Cenário tão lindo, tão vário
E de tanto esplendor
Nos montes
Onde jorram
As fontes, que quadro sublime
De um santo pintor
Pergunta
O poeta esquecido
Quem fez essa tela
De riquezas mil
Responde
Soberbo o campestre
Foi Deus, foi o mestre
Que fez meu Brasil
Meu Brasil
bis
E se vires,
Poeta, o vale do rio
Em noite invernosa, em noite de estio
Seu chão de prata, riquezas es-
-tranhas, espraiando beleza
Por entre montanhas que passam, que ficam
Em terras tão boas, Pernambuco
Sergipe, majestosa Alagoas
E a Bahia
Lendária das mil catedrais
E a terra do ouro, berço de Tiradentes
Que é Minas Gerais"

Vale do São Francisco, samba da Mangueira, composto por Cartola e Carlos Cachaça 
 
 

“Samba de enredo: história e arte”  

  • Luiz Antonio Simas e Alberto Mussa 
  • Editora Civilização Brasileira 
  • 266 páginas
  • R$ 59,90