Jornal Estado de Minas

PENSAR

Lançamentos recentes reforçam multiplicidade de vozes



“Araras vermelhas”

A escritora Cida Pedrosa busca o substrato de sua poesia na história brasileira. O acontecimento condutor do livro “Araras vermelhas" é a Guerrilha do Araguaia, episódio ocorrido na região conhecida como “Bico do Papagaio”, nas divisas dos estados do Pará, Maranhão e Tocantins nas décadas de 1960 e 1970.  Os textos são escritos a partir da memória.



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A autora reconstrói poeticamente a região, com toda a exuberância da fauna e da flora, apresenta quem esteve na resistência e denuncia a ação violenta da ditadura militar. Os poemas estão organizados sob a forma de “cantos”, o que tanto nos remete às araras, como podem ser percebidos no ritmo e musicalidade que emprega na construção dos versos. Antes de cada canto, a poeta situa o leitor: entremeia momentos da própria trajetória a fatos históricos do mundo.

Cida trabalha as dimensões das palavras: verbal, visual e sonora. No segundo canto, ela trabalha com primor o aspecto verbivocovisual, ao apresentar a participação das mulheres na guerrilha: “mulher é mais que mãe é mais que pranto parto pernas (...) (...) ela sabia da mata e das suas armadilhas sabia dos pássaros e seus cantares das folhas e suas serventias (...). Um trabalho que atesta o talento da poeta que conquistou o prêmio Jabuti 2020 nas categorias poesia e livro do ano com “Solo para  vialejo”.

  

 

 

“Um pé na cozinha”

Taís de Sant’Anna Machado se debruçou sobre a contribuição das cozinheiras em sua tese da qual deriva o livro “Um pé na cozinha”. A cozinha é um espaço historicamente associado à mulher negra, relação essa cercada por muitos estereótipos. No entanto, ela investiga a atuação de mulheres negras na cozinha doméstica desde o pós-Abolição até a gastronomia contemporânea.





A chef Carmem Virgínia, que escreve a orelha da obra, nos dá a chave da leitura: ‘Cozinhar e servir pode ser um presente - falo de servir com amor, e não da servilidade que nos foi imposta por termos a pele dos escravizados.  É importante que as mulheres negras entendam que cozinhamos não só por necessidade, mas também por vocação.

 

 

“Mikaia” 

 

O romance de estreia de Taiane Santi Martins, “Mikaia” foi o vencedor do Prêmio Sesc de Literatura 2022 na categoria Romance. A protagonista, uma bailarina negra, traz o corpo e a dança para retomar as memórias. A narrativa começa quando Mikaia sofre uma amnésia repentina. No processo de resgate das lembranças, ela nos apresenta a história de mulheres que fugiram de Moçambique devido à guerra civil.

A escritora ainda se dedica aos aspectos linguísticos do texto, que aproximam os dois países de língua portuguesa, mas dá relevo ao emakhuwa-enahara, uma variante regional da língua emakhuwa falada na província de Nampula, ao norte do país africano. O primeiro romance da autora gaúcha foi em parte escrito quando ela morou na Ilha de Moçambique, cidade insular situada na província de Nampula, na região norte de Moçambique.





 

 

“O coração que chora e que ri - contos verdadeiros da minha infância” 

 

“O coração que chora e que ri: contos verdadeiros de minha infância” foi publicado originalmente em 1999, e com ele Maryse Condé venceu o prêmio Marguerite Yourcenar. É um dos mais importantes livros da escritora guadalupense, uma das mais premiadas autoras de língua francesa. Nascida em 11 de fevereiro de 1937, em Guadalupe, ela é a caçula de oito irmãos. De família abastada, se mudou para França para estudar no Lycée Fénelon, e logo depois ingressou na Sorbonne Nouvelle, onde se tornou doutora em literatura comparada. A autora nos apresenta a própria história ficcionalizada, uma narrativa atravessada pela relação com os pais e com as irmãs.

O livro é dedicado à mãe que Maryse perdeu ainda muito jovem. As lembranças parecem prestar contas aos pais, e a escritora em diferentes momentos diz que eles não esperavam que ela daria “nada de bom na vida”. De inteligência acima da média, Condé se tornou crítica à academia, aos estudos da literatura clássica, mas sempre foi amante da literatura e das artes, fazendo por conta própria o percurso intelectual nas livrarias, exposições e cinema.  O livro nos revela a criticidade como marca da escrita: uma mulher negra, de família rica, que nasceu em uma colônia francesa, formada em uma das melhores universidades do mundo. Não sem razão ela venceu, em 2018, o The New Academy Prize em literatura  – prêmio alternativo ao Nobel.

 

“Balada de amor ao vento”

 

Em “Balada de amor ao vento”, Paulina conta a história de Sarnau, uma mulher que sonha em ser a única companheira de Mwando por quem “se apaixona de corpo e alma”.  A autora moçambicana, uma das mais importantes da língua portuguesa, volta a tratar da poligamia, um tema que aparece em seus romances, como Niketche, e também das tradições e costumes de uma sociedade que impõem papeis às mulheres.  A reflexão sobre o feminino é central na obra da escritora, que revela, ao mesmo tempo, traços da cultura do país africano e como ela percebe as relações de gênero em seu país.



“As mulheres também representam a dualidade da cultura em que vivem, sendo, ao mesmo tempo, a própria representação do mundo e da serpente que ludibria e tira a inocência dos homens”, escreve Jarid Arraes sobre o livro na orelha. Ganhadora do Prêmio Camões 2021, Paulina nos aproxima de nosso país-irmão, Moçambique, na forma como nos conta os costumes daquele lugar e na maneira exuberante com que descreve a natureza.