Joel Nascimento, jornalista. Meio século nas redações cariocas lidando com os dramas dos outros, especialista em transformar tragédias cotidianas em relatos extraordinários, forjado na profissão no tempo em que “nem todas as histórias eram felizes, a maioria não era, mas os repórteres naquele momento eram”, testemunha de crimes e contravenções, representante de uma geração que acredita ter forçado o Rio de Janeiro a enxergar uma cidade nada maravilhosa, o principal personagem de “Chuva de papel”.
Homem feito de jornalismo, que não enxerga diferença entre o que é o que faz, Joel Nascimento procura a forma mais eficiente de se matar.
A informação não pode ser considerada um spoiler; está na abertura do novo romance de Martha Batalha, autora do best seller “A vida invisível de Eurídice Gusmão” (2016) e de “Nunca houve um castelo” (2018). “Queria contar uma história sobre o relacionamento possível entre pessoas bastante diferentes”, define Batalha, em entrevista ao Pensar.
Nascida no Recife, Martha Batalha cresceu no Rio, onde trabalhou em grandes jornais até trocar o jornalismo pelo mercado editorial. Fundou a editora Desiderata antes de se mudar para Nova York. A autora passou as últimas semanas no Brasil para eventos de lançamento em diversas capitais. A divulgação presencial contribuiu para o primeiro feito de “Chuva de papel”, que chegou à primeira reimpressão em menos de três meses.
Com agilidade, graça e diálogos coloquiais, Martha Batalha impõe o ritmo da narrativa de “Chuva de papel”. Sutis mudanças de vozes narrativas, às vezes dentro do mesmo parágrafo, permitem à autora expandir o universo em desencanto do repórter veterano para Glória e Aracy, as figuras femininas que atravessam o caminho do protagonista após a tentativa de suicídio. A habilidade em traçar personagens empáticos novamente se destaca na prosa de Batalha, agora também em sintonia com fatos recentes, a exemplo do isolamento provocado pelo primeiro ano da pandemia, e o lamento com a degradação do Rio de Janeiro, descrito como “um pastiche de si mesmo” e tão personagem do livro quanto Joel, Glória e Aracy.
“Joel só existia quando contava uma história”, lembra o narrador de “Chuva de papel”. Martha Batalha contou a história de Joel, um de seus “amiguinhos imaginários”. Agora Joel existe nas páginas e, no futuro, nas telas. “O produtor Rodrigo Teixeira (RT Features) comprou os direitos mesmo antes de eu começar a escrever o livro”, conta a escritora, referindo-se ao mesmo responsável pela produção de “A vida invisível”, dirigido por Karim Äinouz e vencedor da mostra “Um certo olhar” no Festival de Cannes de 2019. Leia, a seguir, outros trechos da entrevista da escritora ao Pensar:
“Escrever é saber lidar com uma parte da mente completamente racional, que vai se preocupar com sentenças, ritmo, narrativa, e com a outra parte, guardada no subconsciente, onde fica a percepção de mundo.”
“Chuva de papel”
- De Martha Batalha.
- Companhia das Letras.
- 224 páginas.
- R$ 64,90.