Rogério Barbosa da Silva(*)
Ronald Polito e Mário Alex Rosa nos apresentam um belo livro, impresso em lâminas soltas, envelopadas numa caixa, com projeto de Flavio Vignoli, acabamento pela Tipografia Matias e impressão pela Tipografia do Zé. Lendo e manuseando o livro, é impossível não sermos remetidos para uma tradição barroco/vanguardista, que têm o alfabeto como matéria visual e discursiva. Lembramos, por exemplo, mais próximos de nós, "Alfabeta" (1985), de Salette Tavares, e o "Alfabeto Estrutural", de Ana Hatherly, escritoras-artistas portuguesas, que, de modos distintos, buscam uma desautomatização da escrita e a compreensão da letra, enquanto imagem e enquanto verbo sonoro. Paul Valéry também comparece, com seu Caderno ABC (escrito a partir de 1894) e a ideia de estruturar a escrita a partir da relação entre as vinte e quatro capitulares e as horas do dia, dando origem a um livro que é um contínuo só interrompido com sua morte, em 1945. E nessa lista outros tantos poderiam comparecer, i.e., aqueles que têm a letra como imaginação encarnada, a exemplo do catalão Juan Brossa ou de Guilherme Mansur, em Minas.
Leia: Ronald Polito e Mário Alex Rosa lançam livro que une tipografia e poesia
O que importa é que Polito e Rosa, ao longo de suas trajetórias, sempre tiveram grande interesse na letra, na forma da palavra, na dimensão gráfico-visual, mas também nos gestos vários do gravar/grafar/escre. Entendemos que ambos pertencem a essas famílias de poetas/artistas que pensam o poema como um campo de possibilidades, isto é, produzem em materialidades diversas os poemas que abrirão fronteiras interartísticas, e, com isso, ressignificam o fazer poético, sobrepondo o fazer de agora a formas já utilizadas. Na poesia de Mário Alex Rosa, a palavra "poesia", gravada ou encartada de mil e uma maneiras, é um signo explosivo, pronto a irradiar- se pela via de um poema-objeto (o poeta tem muitos trabalhos nessa linha) ou poemas visuais, feitos em livros, cartões, bordados e catálogos expositivos. Noutro lado, Ronald Polito esmera-se na palavra como um ideograma, arte de um calígrafo de técnicas múltiplas de gravar: vejam-se os poemas "nu" e "horror vacui". Num e noutro, a contenção, a forma e a espacialização do poema, a fonte tipográfica, o fundo escuro da lâmina, tudo contribui para abrir os sentidos dessas palavras. Em ambos os poemas se desnuda, mostra seu centro e daí emerge a sua força, gravitando naqueles outros poemas em que a falha, a ausência e a incompletude se manifestam. Com técnicas distintas, seus poemas retomam o livro "Objeto" (1997).
Os poemas de Mário Alex Rosa em "tipografia alfabeta" são textos líricos que tratam do amor, mas que mostram também a sensibilidade do poeta com a forma do livro. Já no primeiro poema fica a deixa: "folha primeira/ a quem primeiro/ me entrego?". A pergunta fica para o leitor, que percebe a dubiedade dessa entrega. Os poemas brincam com o estado lírico: amor/dor/humor, e se organizam visualmente na folha, que parece sugar a tinta tipográfica. Creio que, neste que me parece ser o último poema, conforme embaralhamos as lâminas, faz-se aí uma ligação interessante com a poesia de Ronald, ao se desvelar o vazio que também compõe a linguagem da lírica amorosa.
É ainda necessário se destacar a sintonia criativa que uniu, neste volume (enfim, um livro-caixa), dois poetas com propensão visual e um designer artista da tipografia. Daí resulta uma composição e um objeto que são um convite à imaginação. O poema então se configura como uma abertura.
(*) Poeta e professor do CEFET-MG, no Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens e no curso de Letras (edição).
Ronald Polito e Mário Alex Rosa nos apresentam um belo livro, impresso em lâminas soltas, envelopadas numa caixa, com projeto de Flavio Vignoli, acabamento pela Tipografia Matias e impressão pela Tipografia do Zé. Lendo e manuseando o livro, é impossível não sermos remetidos para uma tradição barroco/vanguardista, que têm o alfabeto como matéria visual e discursiva. Lembramos, por exemplo, mais próximos de nós, "Alfabeta" (1985), de Salette Tavares, e o "Alfabeto Estrutural", de Ana Hatherly, escritoras-artistas portuguesas, que, de modos distintos, buscam uma desautomatização da escrita e a compreensão da letra, enquanto imagem e enquanto verbo sonoro. Paul Valéry também comparece, com seu Caderno ABC (escrito a partir de 1894) e a ideia de estruturar a escrita a partir da relação entre as vinte e quatro capitulares e as horas do dia, dando origem a um livro que é um contínuo só interrompido com sua morte, em 1945. E nessa lista outros tantos poderiam comparecer, i.e., aqueles que têm a letra como imaginação encarnada, a exemplo do catalão Juan Brossa ou de Guilherme Mansur, em Minas.
Leia: Ronald Polito e Mário Alex Rosa lançam livro que une tipografia e poesia
O que importa é que Polito e Rosa, ao longo de suas trajetórias, sempre tiveram grande interesse na letra, na forma da palavra, na dimensão gráfico-visual, mas também nos gestos vários do gravar/grafar/escre. Entendemos que ambos pertencem a essas famílias de poetas/artistas que pensam o poema como um campo de possibilidades, isto é, produzem em materialidades diversas os poemas que abrirão fronteiras interartísticas, e, com isso, ressignificam o fazer poético, sobrepondo o fazer de agora a formas já utilizadas. Na poesia de Mário Alex Rosa, a palavra "poesia", gravada ou encartada de mil e uma maneiras, é um signo explosivo, pronto a irradiar- se pela via de um poema-objeto (o poeta tem muitos trabalhos nessa linha) ou poemas visuais, feitos em livros, cartões, bordados e catálogos expositivos. Noutro lado, Ronald Polito esmera-se na palavra como um ideograma, arte de um calígrafo de técnicas múltiplas de gravar: vejam-se os poemas "nu" e "horror vacui". Num e noutro, a contenção, a forma e a espacialização do poema, a fonte tipográfica, o fundo escuro da lâmina, tudo contribui para abrir os sentidos dessas palavras. Em ambos os poemas se desnuda, mostra seu centro e daí emerge a sua força, gravitando naqueles outros poemas em que a falha, a ausência e a incompletude se manifestam. Com técnicas distintas, seus poemas retomam o livro "Objeto" (1997).
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É ainda necessário se destacar a sintonia criativa que uniu, neste volume (enfim, um livro-caixa), dois poetas com propensão visual e um designer artista da tipografia. Daí resulta uma composição e um objeto que são um convite à imaginação. O poema então se configura como uma abertura.
(*) Poeta e professor do CEFET-MG, no Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens e no curso de Letras (edição).