“As editoras das editoras”, edição especial do Pensar iniciada hoje, traz os perfis de 11 mulheres que estão à frente de casas editoriais brasileiras com diferentes tamanhos, objetivos, estratégias e ambições. O que as une, então? A busca incessante pela ampliação do hábito de leitura. E, claro, o amor aos livros. Leia, na primeira parte do especial, as histórias das mineiras Maria Mazarello
(Mazza Edições), Rejane Dias (Grupo Autêntica), Maíra Nassif (Relicário) e artigos de Ana Elisa Ribeiro e Leticia Santana Gomes.
Mulheres que editam
Ana Elisa Ribeiro *
Especial para o EM
A bibliografia sobre história das casas editoriais no Brasil é importante, mas ainda não é tão vasta. Ainda há muito a ser feito, e uma das lacunas disso é a história das mulheres que editaram livros em tempos passados (e mesmo no presente). É possível encontrar jornais editados por mulheres já no século 19. A professora Constância Lima Duarte, da UFMG, tem um belo livro sobre os jornais femininos e feministas no Novecentos, e o grupo Mulheres na Edição, do Cefet-MG, investigou esse aspecto tanto sobre o trabalho da professora quanto em outros materiais. Quando lemos a narrativa mais conhecida sobre as casas editoriais, é claro que teremos a impressão de que apenas homens editavam, mas isso não é verdade. As mulheres sempre estiveram envolvidas no trabalho de tradução, edição e revisão, embora com muito menos reconhecimento e visibilidade.
Nas editoras grandes, muitas mulheres dirigiram selos e curadorias, em especial na segunda metade do século 20, depois de certa emancipação. Em um dos livros que publicamos a partir do trabalho do nosso grupo, o “Prezada editora” (Moinhos/Contafios, 2021), me aprofundei no caso, por exemplo, de Sandra Espilotro, da Globo Livros, que atua há décadas. Outra gigante é Maria Amélia Mello, que finalmente teve sua história incluída na coleção “Editando o Editor”, da Edusp. Repare-se que a coleção teve início nos anos 1990 e só agora edita um volume sobre uma mulher. Isso não é acaso, mas sim resultado de uma mudança social e cultural – lenta, claro.
Afora essas figuras importantes de grandes casas, é fundamental identificar e dar o devido valor a pioneiras com a Maria Mazarello, nossa Mazza, que começou a editar autores e autoras negros no início dos anos 1980; ou Zahidé Muzart, já falecida, que resgatou centenas de romances escritos por mulheres por meio da Editora Mulheres, já extinta, que atuou em Santa Catarina. É preciso enxergar as bordas, e não apenas o centro, inclusive repensando o que chamamos de “editor”, uma definição que também pode excluir. Somos um grupo pioneiro nos estudos desse tema no Brasil e nossos esforços têm sido reconhecidos até fora do país. Temos trocado muito com colegas de vários países, porque esse apagamento acontece em toda parte. Nosso próximo passo é publicar uma minipédia com mais de 100 editoras dos séculos 20 e 21. O que se pode dizer é que é extremamente difícil conseguir informação sobre elas e seus empreendimentos, o que só confirma a importância da pesquisa e das publicações que esclareçam essa participação. Se é possível dizer que houve um boom depois dos anos 1980-1990, isso decorre de um caldo com vários ingredientes: tecnologias, mudanças culturais, feminismos, acesso aos estudos e à vida profissional, entre muitos outros.
* Ana Elisa Ribeiro é professora titular do Departamento de Linguagem e Tecnologia do Cefet-MG, escritora e editora