Jornal Estado de Minas

AS EDITORAS DAS EDITORAS

Editora Tabla abre janela para literatura árabe e de Índia, China e Irã

 

No encontro dos sonhos de uma musicóloga e de uma artista plástica, amantes da literatura, ganhou forma, em 2016, a editora Tabla - tambor, em árabe. Veio ao mundo com o propósito de reverberar no Brasil, um país de imigrantes, a cultura e modos de vida árabe e asiática - iraniana, indiana, chinesa - trazendo à língua portuguesa a sonoridade de poemas, contos e romances decantados em seus respectivos idiomas. “Sempre apresentamos aos leitores essas literaturas e culturas com muito prazer e de uma forma muito autêntica, legítima. Em rodas de conversas, interagimos e trocamos conhecimento sobre essas narrativas, sem distorções, aprendendo sobre os povos, enriquecendo a experiência da leitura do livro”, explicam Laura di Pietro e Ana Cartaxo, respectivamente diretora editorial e diretora de arte. “Uma cultura sem tradução, ou sem tradução suficiente, é como uma casa sem janelas”, recita Laura, em referência à Bodour Bint Sultan Al Qasimi, presidente da Fundação Kalimat para o Empoderamento de Crianças, além de fundadora e presidente da Associação de Editoras dos Emirados Árabes. 





 

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A Tabla foi resultado de uma longa gestação, iniciada há mais de 20 anos pelas duas profissionais que encontram na literatura a convergência de linguagens musical e das artes plásticas. “Começamos bem devagarzinho com a editora Roça Nova (que ainda existe), aprendendo como fazer. E o primeiro livro foi “A casa do califa”, do Tahir Shah, que é um autor anglo-afegão. Foi um grande sucesso”, revela Laura di Pietro. Ao participar, em 2011, da Feira Internacional do Livro de Sharjah, nos Emirados Árabes Unidos, conheceram editores árabes, identificaram clássicos que gostariam de trazer para o português, fizeram contatos com novos autores, uma rotina que, a partir daí, é parte do negócio. “A feira abriu muitas portas. Foi exatamente naquele momento que a gente se perguntava ‘que caminho é esse?’ que queríamos tomar, a partir das pequenas publicações da Roça Nova que havíamos iniciado e dado muito certo”, relembra Laura.

 

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As duas sócias passaram a alinhavar a equipe de tradutores, pesquisadores e estudiosos das obras. Michel Sleiman e Safa Jubran, tradutores do árabe para o português de reconhecimento internacional, foram os primeiros a abraçar o projeto.  “Eles vestiram a camisa e, nesse trabalho coletivo, dessa parceria, nesse sonho sonhado junto, a Tabla se tornou possível”, disse Laura. Como trata-se de um projeto quase artesanal, da concepção artística e gráfica, trabalhada por Ana Cartaxo, à abordagem, pesquisa e construção da compreensão de cada obra pela intensa troca com tradutores, pesquisadores e especialistas envolvidos no processo de edição, a Tabla pretende seguir com, no máximo, 15 lançamentos adultos ao ano. Na linha infanto-juvenil foi lançada a Tablinha, um projeto longevo destinado a cultivar na infância o gosto pela literatura. “Vamos manter até quinze títulos adultos e de seis a oito infantis por ano”, ´projeta Ana Cartaxo.

 

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Em três anos - entremeados pela pandemia, quando a Tabla suspendeu os lançamentos - foram publicados 30 títulos adultos. E, nos próximos três anos, a meta é alcançar 100 publicações. “A gente tenta aqui, de forma saudável, um modelo de negócio específico, dirigido a um público que queremos ampliar, que vai ser diferente de outros modelos”, explica Laura. As duas sócias tocam o tambor para avisar que a Tabla vai seguir trabalhando quase como um clube de leitura no processo de edição de cada obra, e, sobretudo, elegendo os leitores como parceiros nesse intercâmbio de vivências que emergem da literatura. 




 

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Olhar para a diversidade 

 

“A Tabla tem um projeto editorial bem elaborado e amadurecido, que lança um olhar para a diversidade de uma literatura até então pouco conhecida no Brasil. As traduções, a apresentação, o projeto gráfico e a qualidade literária e editorial dos livros selecionados pela Tabla são notáveis. Um dos pontos altos da editora carioca é a obra do palestino Mahmud Darwich, um dos maiores poetas contemporâneos. Entre outros livros de ficção e poesia, destaco dois romances turcos: “Uma mulher estranha”, de Leylâ Erbil, e “Istambul, Istambul”, de Burhan Sönmez, e ainda os romances da libanesa Hoda Barakat: “O arador das águas” e “Correio noturno”.”

 

Milton Hatoum, em depoimento ao Pensar, em julho de 2022 

 

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Entrevistas/ Laura di Pietro e Ana Cartaxo (Tabla) 

 

Quais os maiores desafios de ser uma editora no Brasil?

Laura di Pietro (diretora editorial) - O primeiro desafio é mais geral, é que realmente precisamos ser um país de leitores. Agora a distribuição é uma coisa complicada. O país é enorme, né? Então o custo, de estar em todos os lugares, todas as cidades, todos os estados, isso é um desafio bem grande também, o tamanho do nosso país, as dificuldades logísticas e tudo isso. Papel é uma questão mundial, mas é forte no Brasil, há aumentos mensais do preço do papel. E o que acontece? Uma editora independente, tem uma tiragem pequena-média, de mil exemplares, tem um custo muito alto. Quando você vai fazer tiragens maiores, o seu custo unitário diminui muito. Também é um desafio. E a gente faz uma comunicação, a gente tem que alcançar, ter mais capilaridade, para também já sair com uma tiragem maior. A gente também trabalha muito fortemente o projeto gráfico. Então, às vezes, o print on demand, não dá conta da qualidade, do tipo de tratamento de acabamento do livro. Mas eu acho que apesar de toda essa equação, a Tabla, está ganhando leitores, devagarzinho, está tendo mais capilaridade, está bem posicionada... Eu chego numa livraria, ou escuto um autor interessante falando da Tabla. Ou universitários... Então, assim, a gente está indo para lugares interessantes, ainda não é expressivo o número, mas a gente está caminhando e a ideia é aumentar, aumentar esse número de leitores, porque somo quase um clube, temos essas pessoas que já são parceiras. Então, o livro sai, interagem. Queremos ter uma construção assim: os leitores também são nossos parceiros, queremos fortalecer uma marca, ter essa expressão assim.

 

Ana Cartaxo - Tem um desafio financeiro muito grande. A gente tem uma equipe física, e o custo de uma editora é muito alto, porque sempre investe o dinheiro antes: compra direito autoral, traduz... tudo isso é pago. Existe muita despesa antes de começar uma entrada. E o mercado de varejo é muito lento. Então, o equilíbrio financeiro, essa saúde financeira, é realmente um desafio enorme. Mas a gente tem conseguido porque tem muito cuidado. Cada livro que será publicado é lido por todos. Tem o grupo de leitura que se reúne com o tradutor, com o autor quando é possível. Estudamos o livro profundamente, trocamos ideias, para termos muita intimidade com esse livro. Isso vai se refletir no que a gente apresenta no Instagram, no que a gente pensa também nos eventos online, também nos eventos presenciais, e muito também nas feiras que participamos. Faz a maior diferença ter essa preparação. A comunicação precisa estar inteira, porque a gente conversa com cada pessoa, pessoa a pessoa do projeto da Tabla. Agora uma outra dificuldade é aumentar a capilaridade, estar mais junto das universidades. Na última feira que eu participei, em Niterói, um professor me disse: “Olha, eu sou de Relações Internacionais e eu gostaria de usar alguns livros da Tabla como apoio para humanizar o curso, para humanizar as questões.” Então um desafio é conseguir adentrar nesses lugares que podemos alcançar, de ter acessos surpreendentes.





 

 

Quais os próximos capítulos da editora?

Laura di Pietro - Queremos alcançar 2026 com cem títulos publicados. Fortalecer o catálogo infantil, a gente chegar nesse catálogo, nesse número, nessa rede. Esse projeto tem vários aspectos, é como um mosaico, ter todas essas pecinhas sempre caminhando, dando passinhos, mas todas caminhando juntas: as parcerias, o catálogo solidificando. É um capítulo que interage com a questão financeira, e com o desafio de termos mais capilaridade, chegar a mais pessoas, e de como estamos fidelizando os nossos leitores, aumentando a nossa rede, o contato com as universidades, participando de mais feiras nacionais e internacionais, para trazer mais gente de fora para cá também. Queremos muito, já no ano que vem, trazer alguns autores nossos para participar de eventos. Então, tudo isso, seja o catálogo infantil, seja o autor aqui, seja o autor lá fora, fazer os eventos, os clubes de leitura, tudo isso é para trazer essa outra pessoa mais para perto. 

 

Ana Cartaxo - Eu estou muito animada com a linha infantil da Tabla. Adoro ilustração, adoro literatura infantil, e eu acho que é realmente importantíssimo fortalecermos a formação do leitor, sabe? E eu lembrei de um livro que publicamos, que é “O pequeno lampião”, do Ghassan Kanafani. O autor tinha uma sobrinha chamada Lamis, que ele amava muito. A cada aniversário, escrevia uma história, ilustrava e a presenteava. Publicamos o presente que ele fez para o oitavo aniversário dela. É linda a apresentação, e é um adulto falando para uma criança, mas de uma maneira muito honesta e muito direta. Ele diz que o livro vai crescer junto com ela: à medida que for amadurecendo, vai alcançando as camadas mais profundas do livro. Então, é um pouco isso, você ir alcançando camadas. Se a gente faz esse trabalho estrutural bem, a criança vai ampliar a percepção, a capacidade de interpretação, de imaginação.

 

 

Qual livro ou autor, brasileiro ou estrangeiro, gostaria de ter sido a primeira a editar?

Laura di Pietro - Eu queria ter feito o livro da Lina Meruane, “Tornar-se palestina”. Mas eu fico muito feliz que a (editora mineira) Relicário tenha feito, porque eu admiro demais a Relicário. Depois que ela publicou, eu brinquei: “Meu Deus, esse livro...” Porque eu amo esse livro. Então, Lina Meruane, “Tornar-se Palestina”, eu adoraria que a Tabla tivesse publicado esse livro.

 

Ana Cartaxo - Na onda dos infantis e juvenis, me lembrei de dois quadrinhos muito gostosos da autora iraniana Marjane Satrapi: são eles “Persépolis” e “Bordados”.