Por que a produção do Centro-Oeste não conseguiu, ao longo do tempo, ganhar o mesmo destaque na literatura nacional como obtiveram autores de outras regiões?
O cânone da literatura brasileira é composto basicamente de autores do Sudeste; sulistas, especialmente do Rio Grande do Sul; e alguns nordestinos muitas vezes reduzidos a “regionalistas”. Se jogarmos esses pontos no mapa, teremos uma faixa litorânea, preponderando uma dicotomia entre as principais metrópoles brasileiras e o interior do país.
No caso de Goiás, nós temos Bernardo Élis, José J. Veiga e a quase folclórica Cora Coralina como autores que se destacam nacionalmente, mas também outros injustiçados, como Hugo de Carvalho Ramos, que é reconhecido aqui, mas menos do que deveria além da fronteira. É o mesmo caso de Ricardo Guilherme Dicke, em Mato Grosso.
Acho que muito disso se dá porque são metrópoles novas ou muito afastadas do Sudeste, como é o caso de Cuiabá, que tem mais de 300 anos, mas a maioria dos brasileiros não sabe apontar no mapa. São capitais ainda sem muita tradição da profissionalização da escrita, do mercado editorial, da crítica especializada e até mesmo de pesquisa acadêmica (se comparado com universidades mais tradicionais).
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O mesmo vale para o Norte (quase ninguém conhece muito além de Milton Hatoum). Na literatura brasileira contemporânea, há autores do Centro-Oeste que se destacam nacionalmente, mas quase sempre aqueles que se mudaram para o eixo Rio-São Paulo, como o caso dos goianos André de Leones, Flávio Carneiro e Maria José Silveira ou do mato-grossense Joca Reiners Terron.
Por outro lado, há autoras como a brasiliense Paulliny Tort ou a goiana radicada em Brasília Fabiane Guimarães mostrando que os tempos estão mudando. Com a internet e redes sociais, a possibilidade de oficinas e até cursos formais de forma online, além do boom de novas editoras, as agências de escritores literários, eventos literários e os próprios prêmios literários, eu acho que a tendência é que esse abismo seja gradativamente (e parcialmente) reduzido.
Consegue identificar os fios de ligação entre os escritores goianos contemporâneos?
Acredito que a principal característica da literatura brasileira contemporânea é a diversidade, a pluralidade – e a situação não é diferente em Goiás. Há autores de diversas gerações, diversas faixas etárias, o Bariani Ortêncio acabou de completar 100 anos de idade!; com formação acadêmica ou não; ligados a instituições tradicionais (AGL, UBE-GO, UFG etc) ou não; com passagem pela imprensa ou não; autores de prosa, de poesia ou de outros gêneros literários; autores flertando com outras áreas, com outras artes; autores lidando com questões feministas, LGBTQIA+, antirracismo, movimentos sociais etc; autores da “literatura de gênero” (horror, ficção científica, fantasia, policial etc); autores “regionalistas”; autores vanguardistas, experimentais... Não acho que exista uma “cena” da literatura goiana ou goianiense. Acho que é uma salada mista mesmo. Um movimento pulsante, mas não com unidade estética, de discurso.
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Por que uma coletânea de narrativas curtas ambientada em Goiânia? O que une os contos incluídos em "Cidade infundada"?
Na verdade, são duas antologias: “Cidade sombria” (2018) e “Cidade infundada” (2022). A primeira foi dedicada ao noir, policial, e a segunda – em co-organização com a Fernanda Marra – foi dedicada à ficção especulativa, ficção científica.
A intenção é fechar a trilogia com um livro dedicado ao horror. O projeto nasceu do meu interesse pelas narrativas insólitas, meu campo de pesquisa atual, e pela “literatura de gênero”, além da vontade de reunir escritores de várias gerações para contar histórias ambientadas em Goiânia, ou seja, também uma forma de (re)descobrir a cidade onde nasci e vivo, de suprir certa carência de ler narrativas ficcionais ambientadas na minha cidade, mas também para contribuir para que Goiânia (Goiás) exista no mapa da literatura brasileira contemporânea.
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Poderia citar alguns autores goianos que (ainda) não conseguiram um destaque nacional por meio de uma grande editora?
Goiás tem dois vencedores do Prêmio Sesc de Literatura na categoria romance, André de Leones e Wesley Peres, além de outros autores com projeção nacional, como Flávio Carneiro (radicado no Rio de Janeiro) e Maria José Silveira (radicada em São Paulo), mas há outros nomes que são importantes na cidade, de gerações anteriores à minha, como Darcy França Denófrio, Edival Lourenço, Heleno Godoy, Miguel Jorge, Valdivino Braz, Yêda Schmaltz e outros que desconheço ou não lembro agora.
Entre os autores falecidos, gosto também de Carmo Bernardes e Eli Brasiliense, que, infelizmente, são pouco lidos até mesmo em Goiás. De uma geração mais recente, destaco – com todo o risco de esquecer colegas que não mereciam ser esquecidos ou não citar autores que simplesmente ignoro – Ademir Luiz, Dheyne de Souza, Fernanda Marra, Gisele Toassa, Jamesson Buarque, José M. Umbelino Filho, Larissa Mundim, Luiz Gustavo Medeiros, Marcelo Ferraz, Mazinho Souza, Miguel Jubé, Nelson Moraes, Tarsilla Couto de Brito, Thaise Monteiro...