Os trechos abaixo são da plaquete de Prisca Agustoni lançada para comemorar os nove anos da editora Macondo. “Resolvi puxar o fio de uma história que faz tempo quero e tento contar; já fiz esboços em prosa em italiano e parti desses esboços narrativos e de um arquivo de fotografias de família”, contou a escritora em suas redes sociais. O resultado está na plaquete “Nilde tirou o retrato no campo de ameixas”, lançamento com edição limitada e numerada, com 40 páginas e que pode ser adquirida por R$ 25 no site da editora de Juiz de Fora.
Contracampo
Um retrato antigo tirado num campo de ameixas
amarelas, com uma mulher abraçada a um cão:
eis a cena ideal onde tudo irá acontecer,
onde o roteiro foi se desenhando
avesso ao mofo da imagem,
contrário à vontade dos vivos
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um álbum de retratos
é como um diorama
contendo mundos que trincam
sob do vidro
em asséptica deriva
o retrato de uma mulher com cão
de costas para a casa ao meio-dia:
aqui temos uma tradução às cegas
da primeira mentira
tão piedosamente mantida
que atravessou o sangue
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cão abraçado a uma mulher
sob o sol do meio-dia:
nenhuma legenda traduz
o olho do fotógrafo ausente
nem sua lente telescópica
que recua para o futuro
no exercício surprendente
de prever o passado;
nenhuma nota explica
o coração do cão
nem os mínimos indícios
do seu ser fera ou fiel,
seus métodos e testes
de docíssima paixão
como mudam se é que mudam
as lembranças dos que vivem
depois do retrato, fora do retrato
de costas para a cena do retrato ?
será que insistem
na ilusão de serem olhos
vivos, em movimento
captando aquilo que nos escapa,
que ficou preso no passado?
ou apenas mudam de espécie
viram narrativas anfíbias,
verbetes, palavras
e mais palavras?