Para Silviano Santiago, Fernando Sabino é, ao lado de Cyro dos Anjos, um dos maiores estilistas mineiros. "Quando jovem, ele quis ser gramático. Tem noção de estilo no sentido clássico, machadiano. Cyro e ele são dos melhores modelos estilísticos. Ambos eram católicos, leitores das grandes narrativas. Assim como Annie Ernaux, no estilo Albert Camus, era muito denso e, ao mesmo tempo, muito fino."
Sabino, diz o professor e escritor, foi um leitor dos franceses. "Somou a isto a experiência da literatura americana, da geração perdida, em especial Scott Fitzgerald. Com essa atitude mais anglo-saxônica, ele procura menos efeitos psicológicos e mais eficiência da linguagem", acrescenta Santiago. O termo não se aplica àquela época, mas Sabino, comenta Santiago é, a priori, um escritor de autoficção.
Fazendo também uma análise mais geral, Santiago afirma que Sabino foi "o primeiro a construir em literatura a ideia que hoje é comum da celebridade. Acho fascinante". De um lado, afirma, havia o escritor cuidadoso, precavido, seletivo. De outro, o antigo medalhista (na natação), o músico de jazz, o que fazia dele um autor muito contemporâneo.
"Mas que é também meio exibicionista na vida real. Juntamente com os três amigos (Hélio Pellegrino, Paulo Mendes Campos e Otto Lara Resende), ele constitui a primeira noção entre escritores/celebridades no Rio, assim como Woody Allen (o cineasta é um clarinetista diletante, da mesma forma que Sabino foi um baterista). Fernando faz parte da vida social do Rio, assim como Paulo e Otto. Não falaria isto de Drummond ou Pedro Nava. Isto é interessante neles (nos quatro cavaleiros): são precursores da ideia de celebridade", afirma Santiago.
Com Mick Jagger e Marianne Faithful
Abrindo um parêntesis para uma história mundana, na primeira vez que Mick Jagger esteve no Brasil, em janeiro de 1968, ao lado de Marianne Faithful, Sabino, ex-adido cultural na Embaixada de Londres, o ciceroneou. Depois de recebê-lo em seu apartamento no Leblon, como a conversa não engrenou, levou-os para um local próximo de casa, o Antonio's, lendário bar que reunia a boemia intelectual carioca. Que se mostrou bastante conservadora diante do casal de rock star britânicos.
"A turma dirigiu piadinhas de mau gosto e comentários preconceituosos a Mick e Marianne… Pior ainda, um dos frequentadores tirou o chapéu de abas largas de Jagger e o atirou em direção a outra mesa", escreveu Nélio Rodrigues no livro "Os Rolling Stones no Brasil" (2000). Amizade entre Sabino e Jagger nunca rolou. Mas rendeu uma crônica, "O fariseu", sobre a primeira (e última) vez que o escritor fumou maconha, influenciado por uma conversa sobre drogas com Marianne naquela fatídica noite.
Quando se fala no Sabino romancista, obrigatoriamente, fala-se dos dois títulos supracitados e em um terceiro volume, "O menino no espelho" (1982), sobre sua infância. Escreveu também várias novelas. Entre as mais conhecidas, "Martini seco" (1987) é um típico policial, enquanto "O bom ladrão" (1991) tem cunho mais psicológico.
Chamava "O tabuleiro de damas" (1988) de seu "esforço autobiográfico". De uma forma mais heterodoxa, poderíamos chamar este último título de romance autobiográfico, e o malfadado "Zélia, uma paixão" (1991) de romance biográfico.
A péssima recepção do livro que contou a relação entre dois ex-ministros da gestão Collor (1990-1992), Zélia Cardoso de Mello, da Economia, e Bernardo Cabral, da Justiça, foi mágoa que ele levou até o fim da vida.
Uma década depois, em "Livro aberto", escreveu: "Ao contrário do que tem sido propagandeado pelos que não o leram, foi uma experiência literária inédita que me desafiou: escrever em termos de ficção sobre um insigne personagem da vida."
A última surpresa
No final da vida, depois de organizar seus escritos – no já citado "Livro aberto" e nos três volumes de correspondências, todos publicados a partir de 2001 –, Sabino surpreende. Poucos meses antes de morrer, publica um novo romance, que acabou se tornando o quarto de sua bibliografia.
"Os movimentos simulados" (2004) não era novo por excelência, mas inédito. Remexendo em seus próprios rascunhos para a produção do que chamou de "obra póstuma antecipada", Sabino encontrou os originais de um romance escrito em 1946, quando ele tinha 22 anos e morava em Nova York.
"Uma narrativa extremamente melancólica", afirma a professora Gabriela Kvacek Betella. "São pessoas cuja vida não dá nem um pouco certo, personagens marcadas pelo sentimento de abandono e, mais especificamente, pelo desengano." Isto, de certa maneira, fez com que o conteúdo da obra escrita tantas décadas antes de sua publicação se tornasse, de certa forma, mais atual.