Fernando Sabino nasceu em 12 de outubro de 1923. Naquele ano, foi realizado no Rio de Janeiro o 3º Congresso Sul-Americano da Criança. No ano seguinte, o deputado federal Galdino do Valle Filho apresentou um projeto de lei que estabelecia essa data como Dia das Crianças, que foi efetivado em 5 de novembro de 1924 pelo Decreto 4.867, assinado pelo presidente Arthur Bernardes.
Essa coincidência de datas entre o nascimento do escritor e a instituição do Dia das Crianças suscita muitas referências à vida e à obra de Sabino, que sempre manteve dentro de si o menino que passou a infância em Belo Horizonte, o menino que se transformou no homem Sabino e o homem que nunca deixou de ser o menino Sabino, que nesta quinta-feira (12/10) completaria 100 anos.
Em “O menino no espelho”, de 1982, o escritor faz uma instigante viagem à sua infância em Belo Horizonte, em um endereço especial: na Praça da Liberdade, na casa de sua família na Rua Gonçalves Dias (terreno que depois recebeu o prédio do Ipsemg, hoje Escola de Design da Uemg), onde firmou amizade com Helio Pellegrino, Otto Lara Resende e Paulo Campos, formando “os quatro cavaleiros de um íntimo apocalipse”. Um quintal, uma mangueira, uma caixa de areia que virou piscina, a galinha Fernanda protegida contra a panela da cozinheira, o papagaio Godofredo, o cachorro Hindemburgo, o coelho Pastoff, o menino Odnanref (Fernando ao contrário), seu reflexo no espelho, e o menino que aprendeu a voar.
“O menino no espelho” é um reencontro marcado na vida de Fernando Sabino entre o menino na plena infância e o homem, uma viagem fantástica no tempo que abre e fecha a obra e que dá asas à imaginação, à lembrança e à saudade de todo adulto com mais de 40 anos. Saudade que o próprio Sabino também manifestou: “Assombrado, em vez de ver os costumeiros edifícios, cujos fundos dão para o meu apartamento em Ipanema, o que vejo é uma mangueira – a mangueira do quintal de minha casa, em Belo Horizonte. Vejo até uma manga amarelinha de tão madura, como aquela que eu quis dar para a Mariana e por causa dela acabei matando uma rolinha. Daqui da minha janela posso avistar o quintal, como antigamente: a caixa de areia que um dia transformei numa piscina, o bambuzal de onde parti para o meu primeiro voo. Volto-me para dentro e descubro que já não estou na sala cheia de estantes com livros do meu apartamento, mas no meu quarto de menino: a minha cama e a do Toninho, o armário de cujo espelho um dia se destacou um menino igual a mim (…)
Assombrado, em vez de ver os costumeiros edifícios, cujos fundos dão para o meu apartamento em Ipanema, o que vejo é uma mangueira - a mangueira do quintal de minha casa, em Belo Horizonte. Vejo até uma manga amarelinha de tão madura, como aquela que eu quis dar para a Mariana e por causa dela acabei matando uma rolinha
Fernando Sabino
“Dez minutos de idade”
Na crônica “Dez minutos de idade”, incluída no livro “A mulher do vizinho” (1962), Fernando Sabino novamente volta ao mundo infantil. Com toques de delicadeza e eternidade conta o nascimento de um menino (será o menino Fernando de novo?). “Qualquer que seja tua infância, conquista-a, que te abençoo. Dela te nascerá uma convicção. Conquista-a também – e vá viver, em meu nome”, diz o homem ao recém-nascido.
“A enfermeira surgida de uma porta me impôs silêncio com o dedo junto aos lábios e mandou-me entrar. Estava nascendo! Era um menino (…) Realizou a grande temeridade de nascer, e saiu-se bem da empreitada. Já enfrentou dez minutos de vida. Ainda traz consigo, nos olhinhos esgazeados, um resto de eternidade. Portanto, alegremo-nos. A vida também não é bonita nem feia. (…) o primeiro ar que se respira já contém as impurezas do mundo.
(…) Menino sem nome ainda, não te prometo nada. Não sei se terás infância: brinquedos, quintal, monte de areia, fruta verde, casca de árvore, passarinho, porão de fantasmas, formigas em fila, beira de rio, galinha no choco, caco de vidro, pé machucado. O mundo de hoje, tal como o estou vendo da janela do meu apartamento, desconfio que te reserva para a infância um miraculoso aparelho eletrocosmogônico de brincar. Ou apenas uma eterna garrafa de Coca-Cola e um delicioso Chicabon (…)
Qualquer que seja tua infância, conquista-a, que te abençoo. Dela te nascerá uma convicção. Conquista-a também – e vá viver, em meu nome. Nada te posso dar senão um nome. Nada te posso dar. No teu primeiro instante de vida minha estrela não se apagou. Partiu-se em duas e lá no alto uma delas te espera, será tua. Nada te posso dar senão um nome e esta estrela. Se acreditares em estrela, vai buscá-la”.