Jornal Estado de Minas

ESPECIAL FERNANDO SABINO/100 ANOS

A BH que Fernando Sabino viveu e escreveu


VIADUTO SANTA TEREZA

 (EM “O ENCONTRO MARCADO”, 1956)

“— “MUNDO, mundo, vasto mundo”!
— “Grito imperioso de brancura em mim”!
— “Meu carnaval sem nenhuma alegria”!
De súbito, um deles sugeriu:
— Vamos subir no Viaduto?
Hugo era o mais ágil: galgava o parapeito com presteza, corria sobre a estreita fita de cimento, a trinta metros do solo, como se andasse em cima de um muro. Curvado, subia o grande arco que se elevava, abrupto, sobre a própria amurada. Eduardo subia do outro lado. Lá em cima se encontravam, equilibristas de circo, passavam um pelo outro, vacilavam, ameaçavam cair. Mauro ainda não tivera coragem; os dois se sentavam na viga de cimento armado suspensa no espaço, balançavam as pernas no ar, gritavam para ele:
— Sobe, carcamano!
— “Mijemos em comum numa festa de espuma”!
Naquela noite Mauro se animou a subir. Quando se viu largado no vazio, tendo sob os pés apenas meio metro de cimento e lá embaixo, muito embaixo, os trilhos da estrada de ferro a brilhar, um trem passando exatamente naquele instante, não resistiu à vertigem. Deitou-se de bruços, agarrou-se com força, dilacerando as unhas na superfície áspera, pôs-se a chorar:
— Não desço mais. Pelo amor de Deus me tirem daqui. Chamem o Corpo de Bombeiros!
Era extraordinário que a brincadeira imprudente não terminasse em tragédia. E se repetia porque (rezava a tradição) um poeta (um grande poeta) havia feito aquilo antes, para se divertir. Anos mais tarde Eduardo lhe perguntaria se era verdade e o poeta haveria de confirmar:
— Parece difícil, mas não é tanto, você não acha?
No seu tempo, subia às três da tarde, depois de tomar apenas um copo de leite, pour épater les bourgeois. A nova geração procurava imitá-lo nos versos e nas proezas, mas precisavam beber para criar coragem.




Alguém soltou um berro. Era Zaratustra:
— “É preciso um grande caos interior para parir uma estrela dançarina”!
— Que Nietzsche, que nada!
— E daí? Só porque você não leu?
— Então soletra ao menos o nome dele, se você é capaz.
— Nietzsche também nunca leu Nietzsche.
Encharcados de literatura, pelas ruas da cidade.”
 
 

ESCOLAS 

(NA CRÔNICA “BH – ONTEM, HOJE E SEMPRE”, PUBLICADA EM 24 DE DEZEMBRO DE 2001 NO CADERNO DE CULTURA DO ESTADO DE MINAS)

“Finalmente, a Avenida Paraúna do meu tempo (hoje Getúlio Vargas), com o antigo Grupo Escolar Barão do Rio Branco, onde minha mãe era professora. E em frente...
Bem, em frente, nada menos que o meu Jardim da Infância Bueno Brandão, tal como era antigamente! Aqui encontrei pela primeira vez um menino de 6 anos chamado Hélio Pellegrino, escondido numa cabana de madeira no pátio do recreio.




Pois só a cabana não existe mais (o Hélio continua vivo no meu coração).”

BAR DO PONTO (ATUAL OTHON), PRAÇA DA ESTAÇÃO, RUA DA BAHIA

(DA CRÔNICA “BELO HORIZONTE DO MEU TEMPO”, PUBLICADA NO “JORNAL DO BRASIL”, EM 31 DE OUTUBRO DE 1972)

“Bar do Ponto. Havia aqui um abrigo de bondes com uma venda em cada canto, onde se barganhavam figurinhas de balas holandesas. E o Bar do Ponto propriamente dito, ao lado da Oliveira & Costa e da Sapataria Para Todos, onde Ermílio Curtiss Lima tinha sempre um sorriso para todos. E o Café Íris, de saudosa memória.
Se quisermos ir à Praça da Estação, evitemos a Avenida, ou não chegaremos nunca. Continuemos na Rua da Bahia, como se fôssemos à Floresta, a vida é esta: subir Bahia e descer Floresta. Mas para que irmos à Praça da Estação, se ninguém vai chegar pelo Rápido? Fiquemos por aqui mesmo, no Bar do Ponto. É possível que apareça alguém da turma do Diário, como o Edgar, o Etienne ou o Milton Amado. Ou alguém de outro tempo, como o João Dornas ou o Emílio Moura, figuras nascidas apenas da lembrança, feitas de ar e imaginação.”

(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A.Press)

MINAS TÊNIS CLUBE

(EM “O MENINO NO ESPELHO”, 1982)

“Um dos sonhos da minha vida era ter em casa uma piscina. Tinha aprendido a nadar, já havia disputado mesmo uma competição na piscina do Minas Tênis Clube, categoria de petiz, pretendia me tornar campeão, nadando no mínimo tão bem como Tarzã.” 

ACADEMIA MINEIRA DE LETRAS 

(NA CRÔNICA “MINAS ENIGMA”, DO LIVRO “A INGLESA DESLUMBRADA”, 1967)

“Mais vale um pássaro na mão. A Academia Mineira, há tempos, pagava um jeton ridículo: duzentos cruzeiros — antigos, é lógico. Um dos imortais, indignado, discursava o seu protesto:
— Precisamos dar um jeito nisso! Duzentos cruzeiros é uma vergonha! Ou quinhentos cruzeiros, ou nada!
Ao que um colega prudentemente aparteou:
— Pera lá: ou quinhentos cruzeiros, ou duzentos mesmo.”