O problema da desigualdade é tão grave no Brasil que, mesmo se desconsiderarmos 90% da população mais pobre do país, o fosso entre os “mais pobres entre os ricos” e os “mais ricos entre os ricos”ainda é imenso. É o que afirma Marcelo Medeiros, sociólogo e pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) no livro “Os ricos e os pobres: O Brasil e a desigualdade”(Companhia das Letras).
Considerado um dos maiores especialistas do mundo no assunto, Medeiros estuda a desigualdade há décadas e publicou em 2005 o livro “O que faz os ricos ricos: O outro lado da desigualdade brasileira”(Hucitec). No novo trabalho, ele afirma que entre os extremos dos 80% da população mais pobre, cerca de 171 milhões de pessoas, a diferença vai de pessoas que não possuem renda até os que têm renda média. Sendo que, entre estes, mais da metade vive com renda abaixo da média.
A diferença reduzida em um grupo tão grande sinaliza que a “renda média” é puxada para cima pelos mais ricos. Por isso, o professor visitante da Universidade de Columbia (EUA) aconselha a utilização da expressão “renda mediana” a ser aplicada às pessoas que estão exatamente na metade da população.
Para exemplificar os problemas gerados por essa “colossal desigualdade” e como é fundamental o entendimento entre a diferença entre “renda média”e “renda mediana”, o pesquisador do Ipea levanta a seguinte questão. Se você pudesse escolher nascer no Brasil ou no Vietnã, em qual você escolheria?
“Você tem pouquíssima informação para tomar essa decisão. Por enquanto, a única coisa que você sabe é que, em dólares correntes, a renda média no Brasil é mais ou menos o dobro da renda média do Vietnã”, explica o autor.
A decisão parece simples. Mas a resposta é “depende”. Se você integrar o topo dos mais ricos, o estrato de 10% da população brasileira, o melhor é nascer no nosso país. Contudo, se fizer parte dos 20% mais pobres, o melhor é nascer na nação asiática.
Medeiros explica que a renda é tão mal distribuída no Brasil, que os mais pobres vietnamitas têm uma renda superior. Por isso a “renda mediana” se refere, segundo dados, a quem recebe R$ 14 mil/ano, algo em torno de R$ 1.200 por mês, arredondando para cima. Entre os 10% mais ricos, a renda anual é de R$ 50 mil, equivalente a R$ 4.200 mensais. Nos 5%, a renda vai a R$ 84 mil por ano, ou R$ 7 mil por mês; já entre os 1%, a renda é de R$340 mil/ano, sendo R$ 28 mil, arredondados para baixo; no 0,5% é de R$ 558 mil anuais, sendo R$ 46,5 por mês; já nos mais ricos entre os ricos, o 0,1% têm renda de R$ 3,7 milhões/ano, o que representa R$ 308 mil mensais. O que mostra um fosso enorme mesmo entre a elite econômica.
É muito comum que o investimento maciço em educação, ainda que em longo prazo, seja apontado como uma das soluções para redução da desigualdade. Medeiros tem restrições à ação. Ele afirma que a redução é lenta, demorada e pode ser insuficiente. Caso uma reforma educacional tivesse ocorrido em 1994, a desigualdade econômica seria 2% menor do que os dados registrados em 2010. Se tivesse sido feita em 1956, mais de 50 anos depois a desigualdade teria caído apenas 14%. A melhoria educacional contribuiria para que as pessoas tomassem decisões mais embasadas, para que conheçam melhor o mundo e que tenham mais opções de lazer e cultura. Por isso, o pesquisador afirma que para que esse problema comece a encontrar soluções adequadas “é preciso entender o que faz ricos os ricos”.
Os dados levantados pelo autor apontam que o 1% mais rico do Brasil tem boa parte de seus rendimentos oriundos de heranças, divisão patrimonial em desquites, rendimentos financeiros, ganhos de capital e, os que representam a maior parcela, 24%, da distribuição de lucros e dividendos.
Uma reforma tributária que atinja os que estão na parte de cima é apontada pelo autor como uma possível saída. Mas, sempre que o tema vem à tona, é aventada a possibilidade de fuga de capital. O pesquisador do Ipea não descarta a hipótese, mas afirma que, caso a reforma seja feita de forma analítica e cuidadosa, é possível evitar uma evasão relevante de divisas.
Marcelo Medeiros destaca que boa parte das rendas dos mais ricos está em terras, imóveis e bens, e que alguns deles são difíceis de serem removidos do país. Outros são impossíveis, como no caso das fazendas.
“Políticas desenhadas para reduzir a desigualdade na massa de população são insuficientes para tratar da desigualdade total, pois deixam de fora uma parte grande da diferença entre os muito ricos e os demais. (...) no fim das contas, serão combinações e não uma política isolada que tornarão o Brasil um país mais igualitário”, acredita.
TRECHO (De “Os ricos e os pobres”, de Marcelo Medeiros)
“A concentração de renda nos 10% mais ricos é muito grande. Esse grupo recebe algo em torno de metade de toda a renda do país. Mas a concentração dentro dele também é muito alta. O 1% mais rico concentra a maior parte de todos os tipos de renda declarados pelos 10% mais ricos, exceto os rendimentos do trabalho. (...) O 1% mais rico recebe algo em torno de três quartos de todos os lucros, dividendos e rendas de empresas o país. Um grupo cinco vezes maior, o estrato dos 10% a 5% mais ricos, recebe apenas três centésimos desses rendimentos. É uma diferença enorme, especialmente porque ocorre entre os estratos de renda mais alta. (...) Três quartos das heranças, doações e meações são recebidos pelo 1% mais rico. Também três quartos de todos os rendimentos de aplicações financeiras e renda variável são apropriados pelo 1% mais rico da população. Ainda mais concentrados são os ganhos de capital: quatro quintos desses rendimentos são recebidos pelo 1% mais ricos”.
“OS RICOS E OS POBRES – O BRASIL E A DESIGUALDADE”
De Marcelo Medeiros
Companhia das Letras
192 páginas
R$ 79,90