Guilherme Mansur é um dos homenageados na 18ª edição do Fórum das Letras, promovido pela Universidade Federal de Ouro Preto, que tem como tema “Materialidades da poesia” e celebra também a obra de Cecília Meireles. A abertura das exposições em homenagem a Mansur acontecerá às 10h deste sábado, 21/10, na Casa dos Contos de Ouro Preto, onde haverá, ao meio-dia, uma chuva de poesia, marca registrada da trajetória do ‘tipoeta’.
A contínua experimentação e materialização do poema
“O que mais me encantava em GM era a sua permanente invenção gráfica para a suas poesias: tipografia, caligrafia, fotografia... Uma contínua experimentação e materialização do poema com o devido rigor técnico (de sua prática e não somente de sua história), e sempre com uma alegria quase infantil neste gesto de grafia. Foram muitos anos pesquisando e colecionando a produção da sua Tipografia do Fundo de Ouro Preto, com destaque para Poesia Livre e Finismundo, mas de história editorial ainda pouco conhecida, apresentada nas exposições do Gabinete do Livro e na Casa das Rosas, em SP. Com a minha Tipografia do Zé comecei a Coleção Lição de coisas, coeditado com Mário Alex Rosa, justamente com o encontro poético e tipográfico de GM com Cleber Teixeira, também poeta editor. Atualmente imprimia para GM uma série de cartazes-poema, que ele chamava de Cartemas, e que podiam ser lidos em dois sentidos (“duas cabeças”) e ainda conversávamos sobre a possibilidade de uma edição de sua antologia poética com a diversidade e invenção de suas grafias gráficas. GM continua como uma referência de editor, poeta e artista gráfico contemporâneo.”
Flávio Vignoli,tipógrafo e editor da Tipografia do Zé
BICHOS TIPOGRÁFICOS
“A série “Bichos tipográficos” é uma leitura através da tipografia das características de alguns bichos. Aqui, as letras exploram os sons, os corpos e os jeitos de se virar de cada bicho. A ideia foi interferir o menos possível nas palavras, deixando que as próprias letras dessem conta do desenho.”Guilherme Mansur, na apresentação do livro “Bichos tipográficos” (Edições Dubolsinho, 1ª edição, 2007)
Ele fez chover poesia sobre as nossas cabeças
“Guilherme, para mim, era o tipógrafo da Tipografia de Ouro Preto, que pertenceu a sua família, e que desde criança pegou em tipos móveis. Guilherme disse algumas vezes que brincava com os tipos móveis como se fossem soldadinhos, porém de chumbo. Soldadoletras, letras-soldado. Guilherme, poeta alfabetizado pelos tipos móveis. Acredito que o amor que adquiriu pelas letras, pelas palavras, o tornou um poeta-soldado da poesia. Guilherme era, para mim, o poeta que às vezes via em pé na sacada do belo sobrado, no final da Rua Getúlio Vargas, indo para o bairro do Rosário, Guilherme, para mim, era o editor da belíssima caixa “Hai tropicai”, 1985, com poemas de Paulo Leminski e Alice Ruiz, Guilherme era o poeta que eu estudante em Ouro Preto queria conhecer e não sabia como me aproximar. O poeta ficava lá na sacada de sua casa observando o tempo passar no passar das pessoas. Vi Guilherme caminhando algumas vezes na Rua São José, quase sempre sozinho. Vi Guilherme agachado montando uma exposição sua nos porões da Casa dos Contos, em Ouro Preto. Guilherme era o criador de convites diferenciados de exposição que pareciam mais um poema visual (guardei-os pela belezagráfica deles, como os “Objetos Metalúdicos”, 1992, ou o convite para o lançamento da revista Ímã, 1993). A poesia nos aproximou. Fomos naturalmente ficando amigos,confidenciando coisas do coração. Vinte anos de amizade, um dia ele me perguntou se eu tinha algum poema infantil para a chuva de poesia que ele estava preparando para o Dia das Crianças. Eu chovi de alegria. Sempre achei e continuo achando a poesia de Guilherme uma graça de beleza, uma poesia de pouquíssimas palavras. Guilherme tinha uma precisão sobre como cada palavra ocuparia o espaço branco de uma folha, de um cartaz, de um convite, da capa de um livro. Guilherme era um tipográfico. Talvez até mesmo pela sua experiência em compor os tipos móveis no componedor. Sabia ajustar. Tinha mãos precisas para quecada letra, cada palavra, encaixasse da melhor forma.Quero dizer que aprendi muito e continuo aprendendo OLHANDO e lendo a poesia do Guilherme. O nosso Tipoeta fez (literalmente) chover poesia sobre as nossas cabeças,sobre nossos corações.”
Mário Alex Rosa, poeta,autor de “Cosmonauta”(Aletria,2022) e “Cartas ao mar”(Scriptum,2023)
As letras como signos pulsantes
“Passo em frente ao sobrado vermelho e olho para cima, esperando ver meu amigoGuilherme com seu charmoso chapéu panamá, contemplando os passantes. Ele chamavaa calçada de seu “cinema”. Como sentirei falta de seu humor refinado, de suasobservações perspicazes, seu olhar sensível e suas obras surpreendentes e incríveis, a talponto, que bastava um olhar para saber que o autor era ele. Nos conhecíamos desde aadolescência, vivi com ele a criação do Poesia Livre, com poemas que reuniam, emsaquinhos de supermercado, uma tribo de poetas que passou a transitar em torno desseastro luminoso, Guilherme Mansur. Testemunhei os amores desse homem tão atraenteaté seu coração encontrar repouso na guardiã de livros, sua Catarina. Fui confidente solidária dos revezes da sua vida, que hoje me parece curta demais diante de suacriatividade fulgurante.Ele não foi apenas um tipoeta, mas um artista visual, compreendia as coisas do universo como letras, signos pulsantes. Fizemos, juntamente com Jorge dos Anjos, nós três, artistas de Ouro Preto da mesma geração, o pequeno livro “Caderno de Pele e de Pelo”, sobre gente e animais, com contos meus, grafismos de Jorge e os geniais bichos tipográficos, do Guilherme. Nos divertimos a valer na sessão de fotos para o convite surpresa, em que, por sugestão do poeta, Germano Neto nos clicou com máscaras: eu, de macaca, Jorge, de lobo, e o Gui, de leão. Leãozinho querido, parceiro de Leminski, Alice Ruiz, Guto Lacaz, Haroldo de Campos, Waly Salomão… Iniciamos juntos o Fórum das Letras, ele criou a engenhosa voluta barroca, marca do evento: um papelvermelho, que se desenrola no vento. E o Fórum foi sempre vitrine e plataforma de lançamento de suas invenções, de chuvas de poesia a deslumbrantes exposições. Nas janelas de Ouro Preto tremularam as bandeiras de sua cartografia imaginária, que misturava países da África, América, Ásia e Europa. Foi elogio à tolerância e à interculturalidade nesses tempos tão tristes, em que milhares de imigrantes sofrem e muitas vezes morrem antes de alcançar a paz. Fizemos retrospectivas dos trabalhos de Guilherme Mansur e, com justiça, o homenageamos no Fórum das Letras de 2018. Ele éo único a quem prestaremos tributo pela segunda vez nesta edição, a festa de seu retorno a Ouro Preto. Mas não deixa de ser essa celebração, pois ele nunca partiu, estará sempre aqui, entre nós. Te amamos, Guilherme!"
Guiomar de Grammont é escritora e curadora de eventos e exposições literários,professora daUFOP. Criou o Fórum das Letras que chega à 18ª edição em 2023