O impasse em torno das terras devolutas no Norte de Minas, que pode resultar em prejuízos de milhões para o estado, devido a cobranças de elevadas indenizações solicitadas por empresas reflorestadoras para deixar as áreas, também envolve disputas particulares. Uma empresa que arrendou terras devolutas no município de São João do Paraíso, há mais de três décadas, foi acusada de ocupar área pertencente a um fazendeiro da região, que entrou na Justiça e chegou a conseguir a reintegração de posse ainda nos anos 1970. Mas, com manobras jurídicas, a empresa permaneceu na área e acabou conseguindo na Justiça que o fazendeiro que alega ser o dono do terreno fosse condenado a pagar cerca de R$ 8 milhões – mais que o valor das terras –, referente ao eucalipto plantado. Mesmo com fim do contrato de arrendamento, a empresa transferiu a área para outra firma.
A história é narrada por Hélcio Alves de Sá, servidor público em Taiobeiras e herdeiro das terras. Ele afirma que em 1977 a empresa Enfloral – Empreendimentos Florestrais Paraibuna arrendou da Ruralminas cerca de 3 mil hectares no município de São João do Paraíso, onde iniciou o plantio de eucalipto. Acontece que, dentro da mesma área, alega Hélcio, fica situada a Fazenda Santa Rita, de 1.162 hectares, pertencente ao seu pai, Ozorino Alves Ribeiro (hoje, com 83 anos), que tinha a documentação da propriedade. “Eles disseram que toda a extensão era de terras devolutas. Mas meu pai tinha documento que comprovava a titulação e conseguiu a reintegração de posse em 1978", informa Hélcio. Ele conta que na mesma ocasião a reflorestadora propôs comprar as terras com o pagamento parcelado. A proposta foi aceita, mas somente a primeira parcela foi paga. Por isso, Osorino entrou com uma nova ação judicial. O processo se arrastou na Justiça por 14 anos e, em 1992, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a empresa deveria deixar o terreno e indenizar o proprietário por perdas e danos.
"Foi feita uma perícia na área e fixado um valor a ser pago. Mas a empresa entrou com outra representação no antigo Tribunal de Alçada de Minas Gerais, solicitando que fosse feita outra perícia. O processo foi mandado de volta para a Comarca de Rio Pardo, onde, não sei por qual motivo, está parado até hoje", relata Hélcio Alves. Por outro lado, ele disse que a Enfloral ajuizou outra ação, reivindicando a indenização por parte do proprietário por cerca de 700 hectares de eucaliptos plantados na área. No fim dos anos 1990, disse, o STF julgou o pedido procedente, condenando Osorino a pagar uma indenização de R$ 8 milhões. "É um absurdo uma coisa dessa. A indenização solicitada pelo plantio de eucalipto é muito mais alta do que o valor nominal da terra", protesta Hélcio, que sustenta ter cópias de toda a documentação.
Transferência
De acordo com Alves, o contrato de arrendamento de toda a área explorada pela empresa (3 mil hectares), que tinha o prazo de validade de 22 anos, já expirou. Por isso, o Instituto de Terras do Estado de Minas Gerais (Iter)– que substituiu a Ruralminas, entrou com um processo de despejo contra a Enfloral. Mesmo assim, relata, há pouco tempo as terras foram transferidas pela antiga arrendatária para uma outra empresa, que, de acordo com Hélcio Alves, iniciou novos plantios de eucaliptos. Ainda segundo ele, as áreas foram "adquiridas" pela empresa Siderúrgica União S/A (Grupo Susa), de Divinópolis. Na terça-feira, a reportagem ligou para a empresa, mas a informação foi de que somente o gerente-geral, Fernando Gontijo, poderia falar sobre o assunto e que não poderia atender.