Brasília – Virou praxe no Senado não dar transparência a decisões polêmicas que beneficiam os parlamentares em ano eleitoral. A cúpula administrativa da Casa reuniu-se nos últimos dias de 2009 para reverter parte da decisão moralizadora sobre a farra das passagens aéreas tomada no início do ano. Resultado: mais gastos projetados para os cofres públicos.
Ato da Comissão Diretora número 25 de 17 de dezembro, publicado na última edição do Diário Oficial do ano passado, poucos dias antes do recesso, autoriza em caráter excepcional o uso dos créditos de bilhetes aéreos não usados até o último dia de 2009 durante todo 2010. Isso anula medida que proibia o acúmulo dessa verba e o desembolso no ano seguinte. A argumentação da cúpula da Casa é que a medida de abril do ano passado não previu um "período de transição".
No calor da farra aérea, quando os créditos eram usados de forma indiscriminada e descontrolada, o Senado decidiu estipular regras. Reduziu o gasto em 25% e estabeleceu o valor mensal da verba levando em conta cinco trechos aéreos ida e volta da capital do estado de origem do senador a Brasília. Proibiu que os senadores economizassem dinheiro para o ano seguinte. E restringiu o uso ao parlamentar e assessores indicados e aprovados pela Mesa Diretora. A medida foi anunciada como uma conquista que economizaria R$ 3,9 milhões aos contribuintes.
Como o grande teste seria este ano, acabou não durando nada. A cúpula administrativa correu para anular a moralização, dando sinal verde para os senadores despejarem o crédito em passagem aérea em pleno ano eleitoral. No pleito de outubro, 54 vagas estarão em jogo. Uma ajudinha extra sempre é bem vinda num momento em que eles precisarão de agilidade para se deslocar de Brasília para suas bases, visitando não só os locais mais badalados como os rincões lembrados só em tempos de eleição.
O 1º secretário do Senado, Heráclito Fortes (DEM-PI), disse que a medida foi tomada para evitar que créditos utilizados antes de abril fossem devolvidos pelas empresas aéreas. “Quando houve a medida, as empresas já tinham recebido alguns créditos”, disse o senador, acrescentando que “isso criaria um lucro indevido” pelas empresas. O problema é que para resolver uma suposta distorção nos três primeiros meses do ano, eles decidiram liberar o acumulado de todo 2009. Pior: o ato de 17 de dezembro é vago e abre brecha para a utilização da verba de todo o mandato e não só do ano passado. Segundo o 1º secretário, novas medidas serão tomadas para evitar o descontrole. “Essa decisão vai gerar outras”, informou sem detalhá-las.
Polêmica
A decisão de anular parte do ato contra a farra das passagens gerou polêmica. O líder do DEM no Senado, José Agripino (RN), disse ser contra o acúmulo de verbas e defendeu que o ato original seja mantido na íntegra. O senador Renato Casagrande (PSB-ES) criticou a Mesa Diretora por tomar decisões na surdina e desnecessárias que geram desgaste à Casa. “Essa decisão é da cultura do ato sem transparência que foi praticado há muito tempo e se preserva ainda, apesar de termos avançado bastante com o Portal da Transparência”, disse o senador capixaba referindo-se ao site do Senado que divulga detalhes do gasto da verba indenizatória, mas não a despesa com crédito aéreo como foi prometido no começo do ano passado.
A explicação deve-se, talvez, ao montante desembolsado pelo Senado com o gasto em passagem aérea com missões oficiais dos senadores e deslocamento aos estados de origem. Em 2009, a Casa gastou R$ 12,5 milhões. O pico ocorreu em fevereiro, quando R$ 1,88 milhão saiu dos cofres públicos para bancar as viagens aéreas nacionais dos senadores. Depois de a despesa desacelerar entre julho e novembro, ela voltou a crescer em dezembro, chegando a R$ 1,2 milhão.
No auge da farra aérea, deputados e senadores usavam o crédito sem qualquer controle. Namoradas, sogras, tias, parceiro político, prefeito aliado, vereador, donas de casa, todo mundo podia usar o crédito do parlamentar. Por isso, em abril, o Senado decidiu acabar com os bilhetes extras concedidos a líderes partidários e membros da Mesa Diretora e restringir ao senador, cônjuge, filhos e assessores indicados desde que no exercício de função parlamentar.