Em 2007, a proposta de emenda constitucional apresentada pelo senador Francisco Dornelles (PP-RJ) e pelo então líder do PP na Câmara dos Deputados, Mário Negromonte (BA), hoje ministro das Cidades, não esteve no centro do debate. O acordo frustrado afundou a aprovação do voto em lista fechada, encabeçado pelo PT. Agora, a ideia do “distritão” ganha adeptos. No PMDB, o vice-presidente da República, Michel Temer defende a proposta. Da mesma forma, o presidente do Senado Federal, José Sarney (PMDB-AP) e o líder na Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). Os líderes do PR também aderiram ao modismo: o argumento é evitar a todo custo a lógica de que um parlamentar possa conquistar uma cadeira em determinado partido tendo recebido menos votos do que outro não eleito em outro partido. “A tendência natural é o apoio ao distritão”, afirma o líder do PR, Lincoln Portela (MG).
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Na avaliação de Jairo Nicolau, essa proposta, que exigirá quórum qualificado para ser aprovada na Câmara e no Senado, não prosperará. Nem o PT, nem os pequenos partidos – que desapareceriam – compram a ideia. De fato, no blocão parlamentar PR, PRB, PTC, PSL, PHS, PRP, PRTB e PT do B, só o primeiro defende o distritão. Por senso de sobrevivência, os pequenos reivindicam a manutenção do sistema proporcional. “As opções de sistemas eleitorais no mundo são conhecidas. O distritão já foi descartado. Há formas superiores”, afirma Nicolau, pontuando a grande desinformação que perpassa o debate, inclusive entre deputados.
Entretanto, se o distritão, pelas distorções que trará, não é um formato adequado para substituir o atual sistema proporcional, seria apropriado para resolver o problema dos suplentes de senadores, outro importante tema que deve integrar o debate da reforma eleitoral. “Sugiro o distritão, para o Senado”, considera Jairo Nicolau. “Seria uma fórmula para acabar com as suplências de financiadores de campanha e outros desconhecidos que acabam assumindo os mandatos na ausência dos titulares”, diz o cientista político. Para ele, o mais provável é que os senadores eleitos que abandonam o mandato para se dedicar a outros cargos mudem o comportamento, quando perceberem que a vaga será do segundo mais votado, geralmente, o seu adversário político.
Na avaliação de Jairo Nicolau, o sistema proporcional brasileiro precisa resolver problemas relacionados à coligação e fazer ajustes para corrigir o afastamento do deputado do eleitorado, que inclusive tem problema de amnésia política e em geral não se lembra em quem votou. Mais dificuldade ainda tem o eleitor mediano de acompanhar o desempenho dos parlamentares. “Temos de pensar como enfrentar o problema da prestação de contas, do controle da relação entre representado e representante”, afirma Nicolau.
Fórmula de financiamento é decisiva
A discussão em torno do financiamento público norteia os debates para a maior parte do PT, do PCdoB e dos democratas e vem acompanhada do sistema proporcional de lista fechada. “Se mantivermos o sistema de financiamento privado hoje, a dependência do poder político do econômico será cada vez maior. Será de fato uma democracia de aparências”, diz o deputado federal Ricardo Berzoini (PT-SP). Com ele, faz coro a senadora Vanessa Graziotim (PCdoB-AM): “Temos de evoluir para valorizar os partidos e os programas”. O PCdoB defende a manutenção do sistema proporcional, com voto em lista de preferência fechada e financiamento público. “Não importa quem sejam as pessoas. São as instituições que têm de ser consolidadas”, diz a senadora, que integra a Comissão Especial da Reforma Política do Senado Federal.
“O financiamento público é um ponto de partida importante. Temos o direito de voto assegurado para todos, mas o direito de ser votado claramente não, pois é fortemente condicionado pela riqueza privada, pessoal e pelos recursos obtidos para a campanha”, afirma o cientista político e professor emérito da UFMG, Fábio Wanderley Reis. Em defesa do sistema proporcional de lista – fechada ou talvez flexível, segundo a qual o eleitor pode interferir no ordenamento dos candidatos –, Reis sustenta: “A articulação do financiamento público, com o sistema de lista fechada ou flexível dá ao partido um instrumento de controle, o que é muito diferente da apropriação pessoal de mandato pelos políticos, como acontece hoje”.
Fortalecer os partidos é também uma preocupação da cientista política e diretora do Centro de Estudos Legislativos da UFMG, Magna Inácio. “Temos, ao longo dos últimos anos, uma série de alterações na lógica da dinâmica partidária, resultado de interpretação do Supremo Tribunal Federal (STF). Há reconhecimento maior do papel dos partidos na competição política e na dinâmica da representação política. Seria muito mais interessante que a atenção se concentrasse numa regulamentação coerente desse sistema”, afirma.
Para a cientista política, um traço importante do sistema brasileiro é que tem assegurado a representação de minorias. Magna Inácio critica o argumento de que o sistema distrital seria mais propício ao país, pois facilitaria a obtenção da maioria parlamentar sem prejudicar a representação, uma vez que a sociedade brasileira, por ser plural, teria condições de influenciar o Legislativo. “Esse argumento é falso. Uma coisa é exercer a influência sobre o Legislativo. A outra coisa é poder decidir. Não é suficiente exercer a influência. Quem decide são os parlamentares e, nesse sentido, é importante que as minorias estejam representadas”, considera.