Na opinião do geógrafo Ariovaldo Umbelino de Oliveira, pesquisador e professor de pós-graduação da Universidade de São Paulo (USP), esses números não refletem a realidade da reforma de Lula. Para chegar a ela, é preciso desdobrar os números.
Ao fazer isso com os dados acumulados de 2003 a 2009, Oliveira verificou que quase um terço (26,6%) das famílias assentadas por Lula é, na verdade, constituído por famílias que já viviam e produziam na zona rural, mas sem título de propriedade. O trabalho do governo foi dar-lhes o título e incluí-las nos programas de apoio à agricultura familiar. “É acertado atender essas famílias”, diz o professor. “Mas o governo deve esclarecer que não foram assentadas pela reforma.”
Oliveira observou que também foram adicionados à coluna de novos assentamentos casos de famílias que ocuparam lotes abandonados em áreas de reformas já existentes. Pelas suas contas, eles representam 38,6% do total: “Isso é reordenação fundiária e não deveria aparecer na coluna de novos assentamentos”.
Famílias que já tinham propriedade e tiveram que ser transferidas de um local para outro, em decorrência da formação de lagos para hidrelétricas, também foram usadas para engrossar a lista de novos assentados.
Após depurar os números do Incra, o professor concluiu que os novos assentamentos representam apenas 34,4% do total registrado de 2003 a 2009. Aplicando essa taxa ao número divulgado agora, pode-se concluir que foram assentadas 211 mil novas famílias - e não 614 mil.
Outro lado
O Judiciário constitui hoje o maior entrave para se conseguir a desapropriação de terras que poderiam ser destinadas à reforma agrária, segundo o presidente do Incra, Rolf Hackbart. “Atualmente existem 257 processos de desapropriação parados nas mãos dos juízes. Eles somam 500.415 hectares - terra suficiente para assentar mais de 20 mil famílias”, afirma.
É essa resistência do Judiciário, segundo Hackbart, que teria levado os processos de desapropriação a perderem espaço no conjunto das ações de obtenção de terra para a reforma. Ele refuta, por outro lado, a acusação de que o Incra teria anabolizado os números do governo Lula.
“Quando promovemos a regularização fundiária e incluíamos as famílias no programa de reforma agrária, nós combatemos a grilagem e, ao mesmo tempo, passamos a oferecer crédito, recursos para a construção de casas, assistência, enfim, tudo que existe no programa da reforma”, afirma. “Isso permite, sem nenhuma dúvida, incluí-las na contagem das famílias assentadas."