Os advogados de Jaqueline Roriz (PMN) precisarão se dividir em três frentes para defender a parlamentar. A deputada federal deverá passar por processo ético na Câmara dos Deputados, ação penal no Supremo Tribunal Federal (STF) e ação de improbidade administrativa na primeira instância. Para cada uma, será adotada estratégia diferente a fim de tentar manter a parlamentar na vida política. As tramitações são independentes e o resultado de um julgamento não interfere na decisão da outra esfera. As sanções dependerão das denúncias, mas podem resultar, entre outras, em cassação do mandato na Câmara, perda dos direitos políticos e ressarcimento ao erário público.
Na quinta-feira, foram dados os primeiros passos concretos para instaurar os procedimentos administrativos e judiciais para a investigação dos atos cometidos pela deputada em 2006. Ela aparece em vídeo, ao lado do marido, Manoel Neto, recebendo um maço de dinheiro (estimado em R$ 50 mil) de Durval Barbosa. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, protocolou no STF o pedido de abertura de inquérito. Ele também quer a autorização para que a Polícia Federal realize, em até 30 dias, a perícia das gravações e o interrogatório de Jaqueline. O Inquérito n.º 3113 foi designado, por meio de sorteio, ao ministro Joaquim Barbosa, que também é o relator do Mensalão do PT.
Segundo o advogado Antônio Alberto do Vale Cerqueira, conselheiro seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF) e especialista em direito penal, a tendência é pela abertura do inquérito. “As provas são patentes e requerem uma investigação aprofundada”, avalia. Caso sejam encontrados elementos suficientes, poderá ser instaurada a ação penal contra a deputada. Com isso, Jaqueline pode ser denunciada pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Só para essa última tipificação, a previsão de pena é de um a três anos de reclusão.
O Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) também se prepara para entrar com ação de improbidade administrativa, assim como fez com outros acusados de fazer parte do suposto esquema de corrupção que deu origem à Operação Caixa de Pandora. Ao contrário do que ocorre com as questões penais, não existe foro privilegiado para os membros do Congresso Nacional nas ações civis. Por isso, o processo correrá no Tribunal de Justiça do DF (TJDFT). Provavelmente, Jaqueline percorrerá o mesmo caminho de sete ex-colegas da Câmara Legislativa, que tiveram os bens declarados indisponíveis pela Justiça. “A medida serve para impedir que os réus se desfaçam do patrimônio antes do julgamento”, explica Cerqueira.
Decoro
Na Câmara dos Deputados, existem duas iniciativas em curso. O presidente da Casa, Marco Maia (PT-RS), pediu mais informações sobre o caso ao MP a fim de municiar a Corregedoria e o Conselho de Ética e Decoro. Na quinta-feira, o presidente regional do PSol-DF, Antônio Carlos de Andrade, o Toninho, e o líder do partido na Câmara, Chico Alencar (RJ), protocolaram pedido de apuração de indícios de irregularidades na conduta de Jaqueline. Além das imagens gravadas por Durval, eles também pedem a investigação da denúncia de suposto recebimento de propina para votar, em 2008, o Plano Diretor de Ordenamento Territorial (Pdot) na Câmara Legislativa, quando Jaqueline exercia o mandato de deputada distrital.
O corregedor, Eduardo da Fonte (PP-PE), deverá apresentar, em até 20 sessões ordinárias do plenário, á Mesa Diretora parecer pela abertura de processo de quebra de decoro no Conselho de Ética ou pelo arquivamento. Além da Mesa Diretora, só as legendas podem protocolar denúncia diretamente no conselho. Os membros do PSol prometem apresentar a representação contra Jaqueline assim que a formação do conselho for concluída, o que é previsto para a próxima quarta-feira. Na semana passada, Maia pediu que os partidos indicassem os 15 membros do grupo.
Penalidades
As penalidades que poderão ser aplicadas para Jaqueline na Câmara dos Deputados dependerão da fundamentação das representações protocoladas. O artigo 4º do Código de Ética, que trata de crimes como abuso de prerrogativa parlamentar e recebimento de vantagens indevidas, prevê a perda de mandato. Antes disso, os membros do Conselho deverão decidir se um deputado pode ser punido por ato cometido antes da posse na Câmara.
O advogado de Jaqueline Roriz, Herman Barbosa, afirma que serão montadas estratégias diferentes para cada processo. No entanto, ele aguarda as notificações da Justiça e da Câmara sobre a abertura dos procedimentos para definir os caminhos da defesa. “O momento agora é de espera.”
Para o cientista político David Fleisher, uma eventual condenação de Jaqueline Roriz no Conselho de Ética pode abrir precedente histórico. “Deputados de outros estados que também forem flagrados cometendo crimes estarão sob risco”, argumenta. Segundo ele, o tratamento que a Câmara dará ao caso pode causar consequências nos processos contra distritais citados na Caixa de Pandora. “Isso poderá comprometer os deputados da Câmara Legislativa atingidos até agora de raspão”, pondera. Por sua vez, a cientista política Ana Paula Volpe diz que o resultado das investigações contra Jaqueline dependerá, exclusivamente, de vontade política e da mobilização social. “Se as pessoas começarem a se manifestar e a mostrar interesse maior, isso será considerado pelos políticos e pelos representantes do Judiciário.”
Veja o que pode acontecer com a deputada Jaqueline Roriz
Na Câmara dos Deputados
» Qualquer pessoa pode representar contra um parlamentar diretamente na Mesa Diretora.
» O presidente da Câmara encaminha a denúncia à Corregedoria, que é formada por quatro membros da Mesa e presidida pelo 2º vice-presidente da Casa (o corregedor).
» O corregedor tem o prazo de 20 sessões plenárias para investigar a denúncia, apurando fatos e ouvindo testemunhas. Depois, ele apresenta parecer à Mesa, que decide sobre a abertura do processo no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar.
» Além da Mesa Diretora, só os partidos podem enviar representação diretamente ao Conselho de Ética — que é formado por 15 parlamentares. Depois de instaurado, o processo é designado ao relator e o acusado é notificado.
» O deputado investigado tem o prazo de cinco sessões para apresentar a defesa. As evidências são avaliadas pelo relator. Caso seja necessário, ele pode requerer a quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico do acusado.
» O Conselho de Ética pode aplicar diversos níveis de punições, como censura verbal, suspensão do mandato e expulsão. Nos dois últimos casos, o processo deve ser votado em plenário. Para cassar o parlamentar, são necessários 257 votos favoráveis. Caso contrário, o deputado é absolvido.
No STF
» O ministro Joaquim Barbosa, do STF, analisará o pedido de abertura de inquérito apresentado na quinta-feira pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel.
» Aberto o inquérito, a Polícia Federal deverá promover em até 30 dias as investigações solicitadas pela PGR. A PF fará a perícia do vídeo e interrogará Jaqueline Roriz. O prazo poderá ser prorrogado por duas vezes por igual período.
» Caso sejam encontrados indícios suficientes contra Jaqueline, a PGR apresentará denúncia ao STF. A deputada pode ser enquadrada nos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, crime fiscal e formação de quadrilha.
» Jaqueline será intimada a apresentar a sua defesa antes de o caso ir para julgamento no
plenário. Os 11 ministros decidirão se aceitam a denúncia e instauram ação penal contra a deputada.
Só então ela virará ré.
» A fase seguinte será de instrução e análise dos indícios e provas contra Jaqueline. Por conta do foro privilegiado de Jaqueline, a Justiça pode pedir a junção dos feitos de todos os envolvidos na Caixa de Pandora, o que pode fazer com que o processo demore mais tempo para ser julgado.
» Somente após o término do trabalho do relator, o caso vai a plenário para julgamento final. Para a condenação, é necessária maioria simples dos votos.