Nos dois anos que marcaram o fim da era Lula e o início do governo Obama, os dois países viveram um distanciamento pontuado por desentendimentos nas esferas bilateral, regional e global. Nesse período, Brasil e Estados Unidos discordaram publicamente sobre a saída do presidente Manuel Zelaya, em Honduras, a utilização de bases militares pelos americanos na Colômbia e a solução para o problema nuclear do Irã. A ameaça de retaliação brasileira no contencioso do algodão e o reconhecimento unilateral do Estado palestino pelo governo Lula também foram temas que expuseram a crescente desconfiança e as dificuldades de diálogo entre a grande potência e o “gigante adormecido” — que despertou para o mundo.
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Zona de conforto
O trabalho conjunto, aliás, é o ponto seguro da relação, onde o diálogo continuou estável mesmo em tempos de acirramento político e econômico. A cooperação em terceiros países será, inclusive, o tópico que permeará toda a visita de Obama, com acordos em áreas como biocombustíveis, combate à pobreza, saúde e educação. Para a especialista Cristina Pecequilo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), os dois governos estão certos em optar por temas menos espinhosos num momento de reaproximação. “Eles têm que investir nas áreas confortáveis. Se, em um primeiro encontro, os dois já colocarem na mesa questões como o programa nuclear do Irã, as divergências vão surgir novamente, porque o novo governo também não vai mudar a posição sobre o direito de Teerã ao uso pacífico (da energia atômica)”, afirma.
Em conversa com jornalistas, nessa quinta-feira, Patriota não descartou que o tema faça parte das discussões entre os dois mandatários. “Na medida em que o impasse persiste, a conversa pode prosseguir sobre novas bases”, observou. Na opinião de Peter Hakim, presidente do Inter-American Dialogue, se Obama e Dilma não discutirem os “problemas e questões cruciais no relacionamento”, a viagem será “uma perda de tempo”. “Se eles não conseguirem falar sobre Irã, Honduras, não proliferação nuclear, etanol, tarifas agrícolas em geral e a aspiração do Brasil a um assento permanente no Conselho de Segurança, então a viagem será contraproducente”, avalia.
O momento é de reconquistar a confiança — dos dois lados. “É tempo de uma política de ‘no surprises’ — ou seja, compartilhar, especialmente nas áreas mais sensíveis, não somente nossos pontos de vista, mas as coisas que vamos fazer dentro de nossa diplomacia”, disse o embaixador americano no Brasil, Thomas Shannon, em entrevista ao Correio, 10 dias após a posse de Dilma. Mas é momento também de o Brasil encontrar o equilíbrio saudável entre uma postura firme e a flexibilidade necessária para não travar o diálogo. “Talvez tenha faltado um pouco de paciência do Brasil, de esperar os EUA aceitarem o novo papel do país. Eles não vão achar natural o nosso processo de crescimento, então é preciso haver adaptação dos dois lados”, afirma Pecequilo. Para ela, o governo Dilma deverá, porém, manter a política de Estado, mesmo que haja temas divergentes. “É difícil para os dois lados, mas essa é a hora de trabalhar de forma mais madura.”