Brasília - A ressaca diplomática depois da visita de Barack Obama ao Brasil trouxe à terra firme indícios claros de que a presidente Dilma Rousseff deve retomar aspectos negligenciados pelo antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, especialmente em seu último ano de mandato. Saem de cena o Irã e o foco restrito nas relações com países do hemisfério Sul e voltam à cena os vizinhos regionais mais próximos, como Argentina e Paraguai, além dos Estados Unidos e da China. O quadro geral da diplomacia brasileira nos próximos quatros anos, no entanto, divide os especialistas. Perto do aniversário de 100 dias do governo Dilma, que se completam em abril, parte dos especialistas em política externa enxergam mudanças significativas em relação à era Lula. Outros veem poucas mudanças por ora. Mas um ponto é consensual: todos concordam que o Brasil não voltará a estreitar relações com o Irã em breve – algo que aliás causou grande admiração no governo Obama.
Segundo Magnoli, a nova linha da diplomacia brasileira que Dilma e Patriota começam a traçar provoca divergências internas no governo. O grupo contrário às mudanças nas relações entre o Brasil e os Estados Unidos, recorda Magnoli, é encabeçado por Marco Aurélio Garcia, que era assessor de Lula na política externa e mantém o cargo no governo Dilma. Integravam o grupo o chanceler de Lula, Celso Amorim, que deixou o governo, e Samuel Pinheiro Guimarães, ex-ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos e agora com um cargo na estrutura de governança do Mercosul. “Há uma guerra surda dentro do governo e da diplomacia sobre o futuro das relações entre Brasil e Estados Unidos”, analisa.
Para o cientista político David Fleischer, as pequenas diferenças na política internacional brasileira têm fundamento nos modelos de gestão da presidente e do antecessor. “ Dilma trata com mais pragmatismo e gerencia os assuntos, está mais fixada em questões econômicas, deixando ideologia e politicagem de lado. A aspiração ao Conselho de Segurança, no entanto, não mudou”, afirma. A tendência é que nos próximos meses Dilma dispense os encontros mais políticos e menos práticos, especialmente com o venezuelano Hugo Chaves e o boliviano Evo Morales, a Garcia e Patriota. “O posicionamento do Brasil no Conselho de Segurança na questão da Líbia, por exemplo, seguiu a linha tradicional da política brasileira, de autodeterminação e não envolvimento em assuntos internos de outras nações, que vem desde o início do século passado praticamente”, diz o doutor em política internacional Virgílio Arraes, da Universidade de Brasília (UnB).
Sem intervenção
Embora tenha sido criticada internacionalmente, a postura reticente da diplomacia brasileira em relação à intervenção militar na Líbia segue a tradição do país nas relações exteriores inscrita até mesmo na Constituição. O artigo 4º do texto constitucional estabele que o Brasil se rege nas relações internacionais pela autodeterminação dos povos e não intervenção. "Em toda a sua história recente, o Brasil só abandonou essa política duas vezes. A primeira em São Domingo, em 1965, e a segunda no Haiti, em 2004, por questões relativas ao interesse brasileiro em um assento no Conselho de Segurança da ONU", explica o professor do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB) Virgílio Arraes.