De um lado, a população indignada, acompanha surpresa o julgamento de um recurso pelo órgão de cúpula do Judiciário brasileiro, que coloca em risco uma conquista popular: a única lei da última década que representa um avanço institucional no processo eleitoral brasileiro. Políticos condenados em órgãos colegiados, não podem concorrer às eleições, diz a Lei Ficha Limpa, no centro da discórdia. De outro, dois ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) têm entendimentos diversos em relação à nova lei, que nas eleições de 2010 barrou algumas dezenas de políticos condenados em segunda instância, seja por compra de votos, por fraudes, falsificação de documento público, lavagem e ocultação de bens, improbidade administrativa, entre outros. Nenhum deles se arrisca a indicar o resultado final da votação de hoje.
Maurício Corrêa, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), considera a Lei Ficha Limpa, “uma das maiores inovações” já verificadas em termos de legislação eleitoral no Brasil nos últimos tempos. “Acho que é uma lei extremamente oportuna, se examinarmos tanta irregularidade, tanta trapaça, que aconteceram em eleições no passado”, afirma. Ao mesmo tempo em que chama a atenção para o fato de a aplicação literal do texto constitucional, que trata da anualidade, indicar que a Lei Ficha Limpa só poderia valer para as eleições de 2012, sob a perspectiva política, o objetivo da sociedade pode também ser considerado. “A lei se coloca com uma grandeza, que muitos ministros devem argumentar que trata-se de uma lei popular. É consistente, e os votos dos ministros demonstram isso”, diz Maurício Corrêa. “É possível que o STF entenda que a lei deve prevalecer para o pleito de 2010 e, do ponto de vista político, acho até bom isso. Considero esta perspectiva preciosa”, acrescenta.
Ministro do STF aposentado e ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Carlos Mário Velloso é enfático em defender a não aplicabilidade da Lei Ficha Limpa, sancionada em junho do ano passado, já nas eleições de 2010. “Hoje, todos querem, a mídia quer, que não se aplique a anualidade, prevista na Constituição. Amanhã pode ser o contrário. É uma garantia”, argumenta. “Não há como deixar de observar, no caso, o princípio da anualidade inscrito no artigo 16 da Constituição. Hoje, a observância do princípio causa desagrado. Amanhã, poderá ocorrer o contrário. Dos princípios jamais devemos nos afastar”, afirma. O artigo diz que as leis que alterem o processo eleitoral só podem ser aplicadas um ano depois de publicadas.
O posicionamento de Maurício Corrêa e de Carlos Mário Velloso se aproximam, contudo, em relação a um outro ponto do debate: o princípio da retroatividade, segundo o qual a lei não poderia retroagir para prejudicar o réu. Corrêa entende que esse princípio não se aplica à Lei Ficha Limpa. Opinião semelhante manifesta Carlos Mário Velloso: “Sustento a tese de que os condenados em segundo grau, por aqueles crimes definidos na lei, seja a condenação anterior ou não à sua vigência, estão sujeitos à aplicação da Ficha Limpa”, afirma. “A presunção da inocência não é certeza. Estaria abalada com a condenação em segundo grau. Quer me parecer que a Constituição não quer que quem tenha vida pregressa irregular possa se candidatar”, diz.
O ex-ministro lembra que a Constituição quer que a vida pregressa do candidato seja boa, para proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato. “E quem está condenado em segundo grau pelo tráfico de entorpecentes, lavagem de dinheiro, peculato ou crime hediondo, não tem vida pregressa regular”, reitera, lembrando que os recursos interpostos a partir do segundo grau são puramente jurídicos, nos quais não se examina a justiça da decisão.