A chacina que deixou 12 crianças mortas em uma escola do Rio de Janeiro, nesta quinta-feira, reacendeu o debate sobre a questão do desarmamento no Brasil. Apenas um dia depois da tragédia, políticos se manifestaram a favor da revisão do estatuto que regula o porte, a venda e o registro de armas no país. O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), defendeu, nesta sexta-feira, a revogação do Estatuto do Desarmamento. ''Acho que deveria ser um projeto de lei revogando a lei anterior e rediscutindo o assunto. A realidade hoje é inteiramente outra da que nós votamos a lei'', afirmou Sarney, que disse ser favorável a uma lei de ''tolerância zero'' em relação às armas'''. O senador admitiu que a proibição da venda e do porte de armas não irá, necessariamente, evitar tragédias como a que aconteceu no Rio de Janeiro, mas afirmou que a permissão da comercialização de armas abre caminho para a aquisição de armas clandestinas. O secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, também defendeu a rediscussão do Estatuto do Desarmamento. "Qualquer campanha, rediscussão e legislação que seja séria e mostre resultado será bem-vinda", declarou Beltrame, em coletiva depois da tragédia.
Até o final de 2010, havia 58 propostas em tramitação na Câmara dos Deputados que alteravam dispositivos do Estatuto. Destas, 24 propunham a ampliação das categorias profissionais que podem portar armas de fogo. Mas para o sociólogo e professor do curso de Direito do Centro Universitário Newton Paiva, Carlos Magalhães, mesmo com a comoção nacional em torno da tragédia, é difícil que a legislação sobre o assunto seja revista, já que ela é muito recente. ''A população já foi consultada em 2005. Politicamente, é muito complicado fazer outro referendo'', afirmou. Para a ONG carioca Viva Rio, o problema não está na legislação sobre o assunto, que é restritiva, e sim na falta de controle por parte do governo. O pesquisador do Centro de Estudos de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da UFMG, Robson Sávio, concorda com a tese. ''É uma legislação boa, mas é o tipo de lei que não pegou. Há uma facilidade muito grande em se adquirir armas ilegais no Brasil. Primeiro, pelo contrabando de armas via fronteira. Outra via é pela corrupção policial e através do assalto de pessoas que têm armas ou de lojas que comercializam armas'', afirma o pesquisador. Segundo o pesquisador, além do problema da facilidade de aquisição de armas no país, existe outro fator, de ordem cultural, que contribui para o aumento da violência: o pensamento que as pessoas têm de que o porte de uma arma é garantia de proteção. ''Temos a cultura de que o problema da insegurança é resolvido com armamento, ou seja, com medidas de proteção individuais. Mas ter uma arma em casa não é medida de proteção, é de vitimização'', afirma Sávio. ''O caso dessse rapaz é emblemático. Ele tinha uma arma com o registro raspado, que provavelmente foi fruto de corrupção. A outra arma, pelo que eles conseguiram rastrear, fou roubada há doze anos de uma residência.Isso mostra o problema da corrupção e o problema de uma arma que estava na mão de um cidadão para proteção e acabou virando objeto de crime'', acrescenta o pesquisador. Entenda Em 2005, a população brasileira foi às urnas para decidir se o comércio de armas de fogo e munição deveria ser proibido no Brasil. Na ocasião, o ''não'' ganhou com 63,9% dos votos. O ''sim'', que representava as pessoas que queriam a proibição do comércio de armas, ficou com 36,06%. Com o resultado, ficaram mantidas as regras do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826), promulgado em 2003, que restringe a posse e o uso de armas de fogo a algumas classes de trabalhadores, mas permite a comercialização delas. De acordo com o Eestatuto, é permitida a venda de armas, desde que elas sejam registradas e mantidas na casa ou no local de trabalho do portador. Atualmente, para obter o registro do armamento, é necessário que a pessoa declare a necessidade da arma, apresente certidões negativas de antecedentes criminais, comprove capacidade técnica e aptidão psicológica para o manuseio e não esteja respondendo a inquérito policial ou processo criminal. Já o porte da arma é proibido em território nacional, sendo permitido apenas para algumas categorias profissionais, como as Forças Armadas, agentes de segurança pública, de segurança privada e auditores da Receita Federal, entre outros.