Jornal Estado de Minas

Jogo político

Tensão entre câmaras e prefeituras em mais de 40 cidades mineiras

Abertura de CPIs para investigar suspeitas de fraudes, mau uso e desvio de verbas cria clima de desconfiança entre prefeituras e câmaras de mais de 40 cidades de Minas

Isabella Souto Marcelo da Fonseca
Suspeitas de fraude em licitação, desvio de recursos públicos, mau uso de verbas e abuso de poder põem em pé de guerra prefeitos e vereadores em mais de 40 cidades de Minas Gerais. Tudo porque alguns parlamentares decidiram exercer o dever constitucional de fiscalizar as administrações municipais - ato que os gestores justificam como jogo político arquitetado pela oposição. A abertura de comissões parlamentares de inquérito (CPI) ou processantes gera um clima de desconfiança entre Legislativo e Executivo. Em alguns casos, até o Judiciário foi envolvido na discussão.
Atualmente, há pelo menos 19 grupos investigando possíveis irregularidades cometidas por prefeitos ou seus aliados - além de nove câmaras municipais em articulação para formação de CPIs. Em oito cidades. as apurações já foram encerradas - e em apenas uma delas, Divinópolis, as denúncias envolvendo o prefeito não foram comprovadas pelos vereadores. Em outras quatro câmaras, os parlamentares tentaram autorização para investigar o Executivo, mas não conseguiram assinaturas suficientes para criar uma comissão. Algumas denúncias levantadas pelos vereadores foram repassadas para o Ministério Público, a quem compete processar os envolvidos em caso de comprovação das irregularidades.

É o caso, por exemplo, de Araguari, no Triângulo Mineiro. Uma CPI foi criada para apurar desvios nos recursos do programa Tratamento fora do domicílio, que prevê ajuda de custo para o deslocamento de pacientes que precisam de consulta médica em outra cidade. De acordo com o vereador Werley Macedo (PDT), que integra a oposição ao prefeito Marcos Coelho (PMDB), o grupo encontrou indícios de mau uso de R$ 73 mil do programa, além de um saque considerado suspeito de R$ 25 mil por um servidor da prefeitura. A legislação diz que cada retirada não pode ultrapassar seis salários mínimos ou R$ 3.270.

"Somos 11 vereadores e o prefeito tem oito. Nosso objetivo não é nem tanto a aprovação do relatório, mas fazer o levantamento e apontar os erros. Se a Câmara não aprovar o resultado da CPI, vamos encaminhar ao Ministério Público", afirmou o parlamentar. O prefeito Marcos Coelho rebate. Segundo ele, a CPI é "simplesmente um ato político' dos integrantes da oposição, que nas eleições do ano que vem vão disputar seu cargo. "Acredito que o parecer será rejeitado, mas é uma brincadeira, porque para cassar um prefeito é preciso dois terços, e eles (a oposição) precisariam de oito vereadores, o que não têm. A maioria trabalha com o Executivo e somos parceiros", argumentou.

Sorte diferente deverá ter o prefeito de Esmeraldas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Luiz Flávio Malta Leroy (PPS). Na terça-feira, os três integrantes de CPI criada em dezembro votam o relatório que vai apontar ato de improbidade administrativa do prefeito. Ele teria dispensado licitação e pago R$ 217 mil a empresa para a reforma de telhados em escolas do município. "Fomos nas escolas verificar e nada foi feito", reclama a presidente da CPI, vereadora Ivana Diniz (PSDB). Ela está confiante na aprovação do documento na CPI e no plenário. Dos 10 vereadores da cidade, sete fazem oposição ao prefeito.

Em nota encaminhada ao Estado de Minas, o prefeito de Esmeraldas afirmou que já prestou todas as informações solicitadas pela Câmara e comprovou que não houve prejuízo aos cofres públicos. O pagamento teria sido feito antecipadamente para evitar aumento de preços. "Como a empresa contratada não retomou as obras, foi obrigada a devolver os valores recebidos devidamente corrigidos. Os comprovantes de devolução foram encaminhados à Câmara Municipal", diz o texto.

Remédio

A recorrente falta de medicamentos para idosos nos últimos anos levou os vereadores de Caxambu, na Região Sul de Minas, a criar uma CPI que vai investigar supostos desvios no fornecimento dos remédios. "É um problema que parece não ter fim, e vamos investigar por que esses medicamentos e outros recursos da saúde não estão sendo aplicados. O prefeito já foi avisado da defasagem e não consegue explicá-la. Já estamos avançando nas investigações e queremos que a comissão consiga mudar a situação o mais rápido possível", afirmou o vereador Vicente de Paula (PSDB). A CPI foi instaurada no fim de março, mas, segundo a assessoria de imprensa da prefeitura, o prefeito Luiz Carlos Pinto (PHS) ainda não tomou conhecimento das investigações. Procurado pela reportagem, o prefeito não retornou as ligações.

O presidente da Associação Brasileira da Câmaras Municipais (Abracam), Rogério Rodrigues (PDT), argumenta que a criação de CPIs é uma das funções dos vereadores e é natural que elas existam em vários municípios. "Tem muita CPI técnica, como também tem CPIs políticas. Agora, para fazer uma CPI, é necessário o apoio de um terço dos membros da Câmara. Se o prefeito tem influência, ele vai compor a maioria do grupo com vereador aliado dele, e o que ocorre muito, é que nesses casos não dá em nada. Infelizmente, isso acontece mesmo", disse Rodrigues. Segundo ele, esse é um dos motivos por que as entidades representativas dos vereadores brigam tanto por maior independência do Legislativo.