Jornal Estado de Minas

Sapos com bocas costuradas assombram prefeito de Buritizeiro

Alessandra Mello

Uma inusitada história envolvendo política e magia negra tem deixado em polvorosa a população da pequena Buritizeiro, cidade do Norte de Minas, com apenas 27 mil habitantes. Na calada da noite, alguém tem colocado nas dependências da prefeitura sapos com a boca costurada ou colada. Dentro dos animais haveria papéis com o nome do prefeito, o padre Salvador Raimundo Fernandes (PT), que anda em pé de guerra com a oposição. Um dos sapos apareceu pela primeira vez ano passado, poucos dias antes de o prefeito ser afastado do cargo por decisão de uma comissão processantes da Câmara Municipal. Por decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no entanto, ele retornou ao cargo.

O último sapo com a boca colada apareceu na semana passada, em cima da geladeira na cozinha da prefeitura usada pelos funcionários para fazer refeições. Alguém abriu o basculante da janela e colocou o animal lá em cima. O sapo, de pele escura e porte médio, estava com a boca colada. Outros três apareceram em situação semelhante. Dois estavam nos fundos da sede da prefeitura, onde há uma horta, outro foi encontrado dentro de uma creche. Um deles tinha a boca costurada.

Para evitar a morte dos animais, a prefeitura pediu a ajuda de Mauro Fernandes da Silva, de 57 anos, que, além de guarda municipal, é um dos fundadores do terreiro de candomblé Nossa Senhora da Imaculada Conceição, que existe há muitos anos na cidade. “Sou espírita e médium desde pequeno”, conta Mauro. Ele nega que o ritual de costurar a boca dos animais tenha origem na sua religião. “Isso é magia negra, é covardia. A gente não faz uma maldade desse tipo com nenhum animal”, defende Mauro.

O prefeito disse ter certeza de que o feitiço é endereçado a ele, mas garante não temer, a não ser pelos sapos. “É uma tentativa de me intimidar, mas não vão conseguir. Não acredito nisso, não faz parte da minha crendice. Mas acaba prejudicando a população, que fica um pouco assustada. Também é um crime contra a ecologia. Acho que quem faz isso não tem sensibilidade. O máximo que posso fazer é rezar para essas pessoas.”

A salvo

Para salvar os sapos, Mauro Silva disse que usa um estilete e também luvas e óculos, para se proteger do veneno disparado pelo animal quando está sem situação de perigo. “Com muito jeito para não machucar, eu abro a boca deles. Um acabou ficando com um corte pequeno na boca. Mas todos sobreviveram”, relata o guarda municipal, que depois de concluído o trabalho solta os sapos na beira de um rio. Indignado com o que ele classifica como maldade, Mauro disse que a única recompensa é poder ajudar a salvar os bichos. “A alegria que me dá é saber que libertei a vidinha deles. Quando a gente abre a boca eles ficam tão alegres. Sabe quando você solta um bicho que estava preso, deprimido e ele saí pulando na hora. É assim que acontece”, relata. Questionado sobre o que tem sido colocado na boca dos sapos, o guarda disse não ter condições de responder. “Para isso a gente tinha de abrir a barriga do sapo e saber o que ele engoliu, e todos até agora escaparam com vida.”

 

Costume antigo, de origem europeia

 

Aparício Mansur, assessor da prefeitura, conta que os sapos costurados têm causado comoção na cidade, nem tanto pelo fato de ser um feitiço, mas por causa da crueldade com os animais. Segundo ele, costurar a boca do sapo é uma prática conhecida como ebó (oferenda) um pouco comum na região, principalmente no município vizinho de São Romão, onde é forte a influência do candomblé, e da colonização da região por descendentes de escravos. Segundo ele, reza a lenda que se o sapo morre e o feitiço se concretiza. Ele também afirma que quanto mais o sapo sofre com a boca costurada, mais energia negativa ele solta contra a pessoa que teve o seu nome colocado dentro da boca do animal. “Não queremos fazer nenhuma crítica a qualquer tipo de religião, mas que dá dó dos animais isso dá”, comenta.

O professor de história da UFMG e diretor do Centro de Estudos da Presença Africana no Mundo Moderno (Cepan), Eduardo França Paiva, disse que costurar a boca do sapo é um costume muito antigo, de origem européia e não africana, como muitos creem. “Não acredito que tenha algo com o quilombo antigo, mas é muito mais provável que se trate de costume popular europeu que no Brasil e nas Américas acabou sendo incorporado por outros grupos sociais, tais como índios, negros, crioulos e mestiços.” Para ele, essa incorporação desses rituais de uma cultura pela outra é uma coisa comum na cultura brasileira.

“O mais interessante mesmo é identificar como essas práticas de feitiçaria antigas permanecem depois de tantos séculos, como elas estão presentes em algumas regiões, mais que em outras, e como posteriormente esses procedimentos passam a ser associados a negros, antigos escravos, ao tempo da escravidão, a quilombos, isto é, ao que seria pretensamente mais popular, menos culto e civilizado.” Segundo ele, essa leitura equivocada parece ser o caso dos sapos com a boca costurada de Buritizeiro, prática justificada pela colonização da região por baianos e descendentes de escravos.