Brasília – Submersos no clima de negociações em torno do Código Florestal, os deputados aprovaram, na semana passada, quase que sem perceber, uma medida provisória na qual o governo dribla o Legislativo, reformulando o destino de bilhões de reais previstos no Orçamento de 2010 e aprovando, a toque de caixa, uma lista de projetos de lei que tinham sido apresentados ao Congresso durante o ano passado e que não foram aprovados por falta de consenso. Na prática, os parlamentares permitiram que o Executivo tirasse dinheiro das emendas apresentadas por eles mesmos para aplicar diretamente em outros programas.
No plenário, parte dos líderes se baseou no relatório do deputado Fabio Trad (PMDB-MS) para orientar as bancadas. No texto do relator, no entanto, havia pouca informação sobre a origem do dinheiro e nenhuma referência ao fato de que parte dos remanejamentos feitos pelo Executivo nos programas dos ministérios teriam sido objeto de emendas parlamentares que não foram liberadas. Questionado sobre a possibilidade de a medida representar um drible no Legislativo, o relator foi evasivo. “Sei que esse dinheiro virá de recursos contingenciados no ano passado. Eles não iriam ser liberados. Agora, serão destinados a outros programas, diferentes dos previstos inicialmente, ainda que dentro dos mesmos ministérios. Mas se me perguntar se nesse bolo há dinheiro previsto para emendas parlamentares, diria que é possível, sim, mas não fiz esse levantamento meu relatório”, diz Trad.
Destino Entre as ações constantemente objeto de emendas parlamentares de peso eleitoral, e que agora passam a ser tocadas pelo Executivo diretamente, estão o deslocamento de R$ 10 milhões para obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) por meio do Ministério das Cidades e de R$ 1,1 bilhão que a MP tirou da Fundação Nacional da Saúde (Funasa) – controlado nos estados pelo PMDB – para que o Ministério da Saúde ajude os estados na compra de medicamentos e na estruturação de unidades na rede hospitalar. A estimativa de técnicos do Congresso é de que o total de recursos cancelados para serem redistribuídos pelo governo inclui pouco menos de R$ 1 bilhão em emendas parlamentares. Mas o levantamento oficial ainda não foi concluído.
“Eu chamei a atenção dos colegas para a manobra do governo. Mas as pessoas estavam com muita pressa para aprovar a matéria e não me deram ouvidos. Com essa proposta, o Executivo não apenas mudou o destino do dinheiro que o Congresso tinha aprovado no Orçamento, como impôs sua vontade mais uma vez”, comentou o líder do PSOL, deputado Chico Alencar (RJ).
Em conversa reservada, um ministro explicou o sucesso do governo na estratégia de realocar os recursos sem alarde ou resistências: “Isso sempre ocorre. O Executivo pede pelos meios normais, mas o Congresso ignora. A saída é editar uma MP para garantir o dinheiro e depois intensificar as articulações políticas para aprovar a medida. Uma articulação que é mais tranquila, pois os efeitos da MP são imediatos e, quando os parlamentares a votam, parte do crédito já chegou onde se pretendia”, resume.
Versão oficial A assessoria do Ministério do Planejamento afirmou que a Medida Provisória 515 foi editada em 28 de dezembro de 2010 para substituir uma série de projetos de lei de créditos adicionais enviados no decorrer do ano passado ao Congresso e que não tinham sido aprovados no fim da sessão legislativa. Nesse bolo de pedidos feitos e não atendidos estão, por exemplo, mais de R$ 7 milhões destinados ao Banco Central para pagar o plano de saúde dos funcionários do órgão e R$ 96 mil para quitar débitos judicias da Secretaria Especial de Direitos Humanos.
Remanejamentos
Alguns ajustes feitos pelo governo federal por meio da MP 515 cancelaram recursos de ações previstas em emendas parlamentares. Veja algumas delas:
Ministério da Saúde
Cancelou R$ 16,8 milhões previstos para a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) investir na melhoria dos sistemas públicos de esgotamentos sanitários nos municípios com menos de R$ 50 mil habitantes.
Destinou R$ 1,1 bilhão para que a pasta invista na compra de medicamentos e na estrutura de hospitais.
Ministério da Ciência e Tecnologia
Cancelou R$ 7,4 milhões destinados ao fomento à pesquisa.
Destinou R$ 19 milhões para bolsas de iniciação à pesquisa.
Ministério da Agricultura
Cancelou R$ 48,6 milhões destinados ao apoio a projetos de desenvolvimento da agricultura.
Destinou R$ 6,4 bilhões para investir nas estatais ligadas à pasta.
Ministério das Cidades
Cancelou R$ 169 milhões previstos para obras de infraestrutura urbana e de esgotamento sanitário nas regiões metropolitanas.
Destinou R$ 10 milhões para obras do PAC em diversos estados brasileiros.