A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil de não extraditar o ex-ativista italiano Cesare Battisti provocou uma onda de indignação na Itália. A Farnesina, chancelaria italiana, afirmou que irá levar a questão à Corte Internacional de Justiça (CIJ) em Haia, tribunal da Organização das Nações Unidas (ONU) responsável por litígios entre países. Analistas políticos, contudo, acreditam que é pouco provável que o caso prejudique seriamente as relações econômicas e políticas bilaterais.
O professor de Relações Internacionais Maurizio Cotta, da Universidade de Siena, diz que dificilmente o caso Battisti prejudicará as relações no longo prazo. "Foi uma decisão política, tanto de Lula quanto do STF. Mas para nós italianos ela foi incompreensível. Battisti é um assassino. Todo mundo ficou com raiva na Itália, tanto gente de esquerda quanto de direita. Pode ser que ocorram protestos nas ruas, principalmente em Roma, mas também em Milão e em algumas cidades do norte da Itália, onde vivem parentes das vítimas dos ataques de Battisti" afirma. O professor acredita, porém, que os laços econômicos, políticos e culturais entre os dois países são mais fortes que a tempestade passageira.
A especialista lembra que, na área internacional, o não cumprimento de uma decisão da CIJ não implicaria sanção, nem o tribunal teria como impor a volta de Battisti à Itália. "Não existe sanção pelo descumprimento" de uma decisão dessa corte, explica, e nesse caso o problema ficaria no âmbito da "moral internacional".
Silvia avalia que há possibilidades de defesa para o Brasil, pois em geral os tratados de extradição preveem exceções, como a proteção à integridade física do réu ou eventuais vícios no julgamento. Mas a Itália também teria chances de conseguir uma decisão favorável, alegando que o documento foi desrespeitado.
Embate político
O professor de Relações Internacionais José Luiz Niemeyer, do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec-Rio), diz que dificilmente a relação comercial entre os países será afetada, lembrando que a Itália é um grande parceiro para o Brasil, tendo inclusive importantes investimentos diretos no País. "Mas vai haver um embate político-diplomático", prevê. "Podemos ter escaramuças (políticas) nos próximos dias ou semanas."
Niemeyer acredita que, após a decisão do STF, o caso perderá espaço na mídia e na agenda dos governos. "É um fato muito isolado na agenda do Brasil", diz. "O tempo será favorável" para a questão perder força, aposta.
Ontem, porém, Roma convocou seu embaixador no Brasil, Gherardo La Francesca, para consultas, atitude que é um protesto diplomático. O presidente italiano, Giorgio Napolitano, e o primeiro-ministro, Silvio Berlusconi, lamentaram a decisão do STF.
Niemeyer acredita que uma eventual condenação no principal tribunal da ONU poderia ficar como um resultado "não digerido" para o Brasil. "Mas seria algo ainda muito no campo da imagem", afirma o professor. "Do ponto de vista normativo, legal, a decisão está tomada."
Histórico
O STF ratificou na quarta-feira a decisão tomada em dezembro pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva de negar o pedido de extradição feito por Roma. Horas depois da decisão judicial, Battisti foi solto do presídio da Papuda, em Brasília.
Na Itália, ele foi condenado à revelia por envolvimento em quatro homicídios nos anos 1970, quando militava pelo Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), um grupo de extrema-esquerda. O ex-ativista fugiu da prisão na Itália em 1981, antes do julgamento, viveu na França e em outros países antes de vir ao Brasil.
A decisão judicial italiana foi referendada pela mais alta corte do país e também por um tribunal da União Europeia, mas Battisti garante ser inocente e afirma ser perseguido pelos políticos conservadores que hoje controlam a Itália.