O Supremo Tribunal Federal tem se destacado nos últimos anos por decisões polêmicas que mudaram os rumos de alguns dos mais importantes assuntos em debate no país. Um bom exemplo é a Lei da Ficha Limpa, que, depois de barrar políticos nas eleições de 2010, acabou suspensa pelo STF. Outro caso é a emenda constitucional que criou cargos de vereadores e também foi suspensa. Já em relação aos direitos de casais homossexuais, tema que o Legislativo preferiu não discutir para evitar o desgaste político, apesar de ter em suas gavetas um leque de projetos que tratam do assunto, coube ao Supremo o papel de “legislar”. É chamado de “ativismo judicial” ou de “judicialização da política”, que incomoda a muitos políticos.
Ele, porém, não culpa o Judiciário, por considerar que é preciso se resolver os conflitos sociais, mas responsabiliza os colegas parlamentares. “O que fazemos aqui é bater carimbo. Quem perde com isso é o Congresso e a democracia. Alguns parlamentares não pensam em outra coisa senão em aprovar emendas individuais. Mas não há dúvidas de que o Supremo está ocupando um espaço que deveria ser preenchido pelo Legislativo”, afirma o senador.
O deputado federal João Campos (PSDB-GO) é um dos críticos do que ele classifica de “inversão de papéis”. “Daqui a pouco, alguém é preso pela polícia, o Judiciário demora a julgar e é a Câmara quem dará a sentença?”, questiona.
Decisões diferentes
As decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) são tratadas pela sociedade e pelas partes interessadas como o ponto final das discussões em torno de um tema. Mas a prática demonstra que esse poder não é tão conclusivo assim. Os julgamentos polêmicos dos últimos anos colecionam enfrentamentos dos juízes de primeira instância que decidiram contrários aos ministros e em alguns casos viraram alvos de denúncias no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por desobediência. Ações que nunca deram punições, já que a lei resguarda a esses magistrados o direito de julgamentos livres. “Isso não é incomum em nosso sistema. Temos um modelo difuso. Mas há sempre a possibilidade de o autor entrar com uma reclamação no STF para forçar a aplicação da decisão da Corte”, avalia o ministro do Supremo Gilmar Mendes.
Um exemplo de magistrado que não seguiu o entendimento do STF é o juiz Edílson Rodrigues, da comarca de Sete Lagoas (MG). Ao julgar um caso sobre violência contra a mulher, o magistrado afirmou que a Lei Maria da Penha era um “conjunto de regras diabólicas”. Ele chegou a ser afastado das funções pelo CNJ, mas três meses depois o próprio STF anulou a decisão, alegando que ele não poderia ser punido por se expressar. “Naquele julgamento, o próprio Supremo defendeu o direito dos juízes de primeira instância de se posicionar de acordo com suas convicções. Pela lei brasileira, cabe às partes reclamarem a órgãos superiores quando quiserem reverter decisão desses juízes. É para isso que a Justiça tem diferentes instâncias”, avalia o presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, Nelson Calandra.
Na semana passada, um juiz de Goiânia decidiu — sem ser provocado — anular um contrato de união estável de um casal homossexual, avaliando que a decisão do STF extrapolou os limites constitucionais. “Tenho minhas convicções e conheço as leis. Não posso decidir contra tudo isso porque 11 pessoas interpretaram a lei e querem obrigar o país a seguir essas regras”, diz Jeronymo Pedro Villas Boas, da 1ª Vara da Fazenda Pública do estado.
Nessa segunda, o ministro Luiz Fux comentou a decisão do juiz Villas Boas. “Se ele foi contra o entendimento do STF, eu entendo isso como um atentado à decisão da Suprema Corte.” “O mais importante é que se revogue a decisão dele para se permitir que aquele casal homoafetivo possa lavrar uma escritura de união estável”, completou o ministro do STF.