O tema mexe em feridas profundas, levanta polêmicas duras sobre o passado e coloca em xeque posições adotadas durante o conturbado período da Ditadura Militar no Brasil (1964-1985). Os crimes contra os direitos humanos cometidos por agentes dos regimes militares e as leis de anistia fizeram parte de todas as ditaduras que se estabeleceram na América Latina nas décadas de 1960, 70 e 80. A forma como os países lidam com as questões obscuras desses períodos, após os processos de reabertura política, entretanto, é bem diferente. Nos últimos anos, as lutas por esclarecimentos sobre as violações têm obtido avanços significativos em países da América do Sul.
Limites
Hoje, os documentos classificados como ultrassecretos têm um prazo de sigilo de 30 anos, que pode ser renovado indefinidamente pelo governo. A proposta em discussão no Senado impõe novas regras para o acesso a documentos públicos e estabelece que certos registros possam ser mantidos em segredo por 25 anos, prorrogáveis somente por mais um período de 25 anos. No projeto original, o sigilo poderia ser renovado indefinidamente, mas a Câmara modificou o texto, inserindo os limites.
“Em alguns países que foram condenados pelas cortes de direitos humanos, como o Peru, os representantes acabaram reconhecendo a primazia da legislação internacional, e as regras internas foram discutidas e reformuladas. No Brasil, percebo uma resistência em reconhecer alguns tratados e decisões que vêm de fora, que são considerados inconstitucionais e inválidos nacionalmente”, aponta o professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC Minas Jorge Lasmar. “O Brasil tem uma forma diferente de ver a questão, apontando a perda da soberania como uma barreira e defendendo sempre as leis internas”, diz o professor. Para ele, a Lei da Anistia “deveria ser amplamente discutida, já que impede que as vítimas entrem com processos e pedidos de indenizações na Justiça”.
Parecer Os registros sobre as violações aos direitos humanos são tratados de forma separada de outros assuntos também considerados ultrassecretos. Defende-se que eles sejam abertos para pesquisas históricas, mas, na prática, as restrições ainda persistem. No início deste mês, parecer do ministro Luiz Inácio Adams, da Advocacia Geral da União (AGU), descartou revisões da Lei da Anistia, em posicionamento que vai na direção oposta das posições defendidas por Dilma quando era ministra-chefe da Casa Civil do governo Lula e chegou a enviar pedidos de revisão da lei.
“As propostas para o sigilo eterno são inaceitáveis, independentemente do tipo de documento. Algumas formas de sigilo podem ser válidas por tempo determinado, em casos em que as questões permanecem em andamento, em algum tipo de litígio. No entanto, na maioria dos casos, é um erro manter documentos escondidos”, opina o hitoriador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) João Pinto Furtado. Para ele, os pretextos apresentados para manter o sigilo são fracos. “No caso da ditadura, existem famílias que ainda reclamam os corpos de familiares desaparecidos. E há grande possibilidade de que os corpos apareçam quando esse sigilo cair, já que os militares sempre foram muito meticulosos nos processos que realizaram”, comenta.
Críticas
A possibilidade de o debate sobre mudanças na lei ser enterrado com o apoio do governo gerou críticas de integrantes e parlamentares do PT defensores da posição da Corte Interamericana de Direitos Humanos – órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA) –, favorável às revisões nas leis de anistia. O sigilo eterno também foi criticado pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante: “Ficamos estarrecidos com a posição inicial do governo federal. São argumentos que impedem que o povo conheça sua história, o que não é compatível com o Estado democrático. Até hoje buscamos os arquivos da ditadura, e em muitos casos não temos mais notícia alguma. Vamos estudar as possibilidades jurídicas para discutir o tema”, diz.
Em abril de 2010, as discussões chegaram ao Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou inválida uma ação ajuizada pela OAB que questionava a Lei da Anistia. A decisão manteve a inconstitucionalidade de processos penais envolvendo agentes de Estado que atuaram na ditadura e praticaram crimes contra opositores do regime. A entidade de advogados contestou o primeiro artigo da lei, defendendo mudanças na interpretação do texto que considera perdoados os autores de crimes “de qualquer natureza” com motivação política. “Não sabemos até quando o Brasil vai manter essa mentalidade, mas é provável que cada vez mais as pressões aumentem no sentido da abertura. Principalmente com o país reivindicando posições de maior destaque mundial, essas movimentações podem se tornar mais frequentes”, afirma Jorge Lasmar.