Ela herdou os olhos, a profissão e o discurso apaixonado do pai em defesa do socialismo e da Revolução Cubana. Aos 49 anos, a médica cubana Aleida Guevara March, filha do guerrilheiro Ernesto Che Guevara, tem poucas recordações do pai, que morreu quando ela quase tinha 7 anos. A última vez que viu Che vivo, Aleida tinha pouco mais de 4. Foi antes de ele viajar para o Congo, na África, e se juntar aos guerrilheiros de lá na luta anticolonialista. Fracassada a tentativa, ele foi para a Bolívia, onde foi executado, aos 39 anos, em 1967.
Aleida conta que via pouco o pai, mas que guarda com carinho as lembranças dele chegando em casa e a pegando ao colo para deitá-la na cama. “Ele me carregava e me beijava com muita força”, conta sorridente Aleida, que esteve nesa quarta-feira em Belo Horizonte para participar do 3º Encontro dos Movimentos Sociais Mineiros e de uma homenagem ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), classificado por ela como o “mais importante movimento social da América Latina”.
Para ela, não há nenhum peso em ser filha de um ícone, cujo rosto vive estampado em camisetas e bandeiras mundo afora e que já teve a vida contada em livros e filmes de sucesso. “Fui criada pelo meu pai e pela minha mãe com muito carinho, muita ternura e um amor muito firme pela minha terra, mas meu maior privilégio é ser filha de um homem que lutou muito pelo seu povo. Tenho muito orgulho dele, mas tenho orgulho maior ainda de ser filha de Cuba”, afirma Aleida, defensora do regime cubano e dos irmãos Castro (Fidel e Raúl), há décadas no comando da ilha.
Para ela, o único peso de ser filha de Che é o compromisso de levar adiante os ideais do pai de buscar sempre ser uma pessoa melhor e comprometida com o “processo revolucionário”. “Temos que seguir trabalhando”, frase que Aleida repetiu diversas vezes ao longo da entrevista, principalmente quando questionada sobre a situação de Cuba, que há anos enfrenta um bloqueio impostos pelos Estados Unidos há mais de meio século. Para Aleida, isso é o que de fato “golpeia a sociedade cubana”.
Ela diz não entender porque o regime cubano é alvo de tantas críticas, argumentando que todas as nações são soberanas para escolher como e por quem serão governadas. Questionada sobre o regime castrista e sobre a permanência há tanto tempo da família no poder, ele rebate: “Temos eleições populares em Cuba e, se os irmãos Castro estão no poder há tanto tempo, é por decisão do povo cubano”. Segundo ela, quem tem de dar palpites e opinar sobre o regime de qualquer nação é o seu povo. “Sempre me perguntam o que acho do governo Lula e sempre respondo que se os brasileiros estão contentes, também estou.”
Escassez
Ela garante que atualmente no país não faltam mais produtos básicos como papel, pasta de dente e até mesmo papel higiênico, mas conta que a sanção atrapalha muito o desempenho de uma das áreas de que o país mais tem orgulho: a medicina pública. “Em Cuba, a medicina é totalmente gratuita”, enfatiza Aleida. Mas segundo ela muitas vezes o atendimento médico é difícil por causa do embargo que impede até mesmo a venda de medicamentos para a ilha. Pediatra e alergista, ela conta que cuidou certa vez de bebê de 8 meses com um sangramento digestivo incontrolável por falta de um medicamento, cuja patente é estadunidense. “Ele não morreu, mas tivemos de pedir ajuda à Espanha, que gentilmente nos cedeu o remédio, e tratamos do bebê. Isso é muito ruim para a população.”
Família de militantes cubanos
Aleida Guevara é filha mais velha do segundo casamento de Che com a militante comunista Aleida March, que conheceu durante a guerrilha. Seu pai teve ao todo cinco filhos. Hilda, a mais velha, que nasceu no México, no primeiro casamento de Che, com a peruana Hilda Gadea, morreu em 1995, vítima de câncer. Com a segunda mulher, ele teve também Camilo, Celia e Ernesto. Todos nasceram em Cuba e, segundo Aleida, são “militantes ativos”. No entanto, ela é a única filiada ao Partido Comunista Cubano. A mãe mora na ilha e dirige o Centro de Estudos Che Guevara, dedicado a preservar a memória do guerrilheiro. Separada, Aleida tem duas filhas. A mais velha, de 22 anos, é formada em economia. A outra, de 21, estuda medicina.
Segundo Aleida, a grande preocupação de hoje em Cuba é “implicar mais ainda os jovens no desenvolvimento do processo revolucionário, para que não haja retrocessos”. Para ela, a juventude cubana é sadia, tem acesso a educação, saúde e está fora das ruas e da violência. Questionada sobre a censura e a restrição ao acesso à internet no país, alvo de muitas críticas, principalmente entre os mais jovens, Aleida é taxativa. “Não vamos permitir que os meios de comunicação sejam usados pelos nossos inimigos”, afirma. Segundo ela, a imprensa que fala mal de Cuba não tem espaço na ilha. Ela garante que não há censura e que a população tem acesso aos meios de comunicação para reclamar dos “buracos na rua” e de outros problemas. “E as autoridades têm de dar uma resposta para essas críticas.”
Aleida aproveita para reforçar os laços de amizade com a Venezuela, maior parceiro de Cuba na atualidade, e diz que o presidente Hugo Chavez está se recuperando do misterioso problema de saúde, que vem sendo tratado em Cuba. “A informação que temos é que ele está muito bem”, garante. Apesar de falar de Cuba com se fosse um paraíso, Aleida diz que há muita coisa para melhorar. “Nenhuma obra humana é perfeita.”