Jornal Estado de Minas

Topete de Itamar exteriorizava estilo audacioso para uns, arrogante para outros

PatrĂ­cia Aranha
- Foto: QuinhoO topete em Itamar não era só adorno. Era uma forma de exteriorizar o estilo do ex-presidente da República, audacioso para uns, arrogante para outros, singular para todos. O que dizer de um governador que manda tropas da Polícia Miitar ao confronto com as do Exército na porteira da fazenda da família do presidente da República? Ou que usa citações em latim para explicar o pragmático dia a dia da política? Ou que manda telegrama de apoio a um desafeto histórico quando todos estão contra ele? Da preferência por ternos azul-marinho à persistência em reeditar o velho Fusca, o jeito Itamar de ser irritou adversários que, repetidas vezes, o chamaram de ciclotímico. Para os amigos e eleitores fiéis, revelava um homem firme em suas convicções e disposto a brigar com todas as armas por elas.
A relação mais ruidosa com um dos mais importantes personagens da República sintetiza a marca de Itamar: o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que passou de apadrinhado a inimigo e novamente a aliado. Os tapas e beijos trocados foram interpretados como reflexo de uma situação que não foi criada por nenhum dos dois: a opinião pública sempre enxergou no tucano o verdadeiro pai do Plano Real, apesar de o programa ter sido arquitetado por muitas mãos. Até porque o próprio Itamar, ao enxergar ali a melhor bandeira para eleger o sucessor, deu todos os créditos a FHC durante a campanha. Depois, mordeu a língua.

A vingança veio assim que Itamar tomou posse como governador de Minas, em 1999, no segundo mandato de FHC. Inconformado em encontrar o caixa vazio, sem verba até para comprar lençóis e fronhas para se mudar para o Palácio das Mangabeiras, Itamar anunciou a moratória. Redigiu de próprio punho a declaração de guerra: “Por absoluta falta de dinheiro, deixaremos de cumprir o acordo financeiro feito com o governo anterior”. Se transformou em arauto de outros governadores que mendigavam ajuda do Planalto. Para reforçar, chegou a mobilizar tropas da Polícia Militar para fazer manobras na região de Capitólio (MG), um cenário montado contra a privatização de Furnas, marca do seu nacionalismo.

Na época, a revista inglesa The Economist não o poupou. Num artigo intitulado A vingança de Itamar Franco, resumiu: “Ele era conhecido como um homem ciclotímico com cabelo desgrenhado e idéias mais desgrenhadas ainda”. FHC fez de tudo, mandou emissários, mas o mais cinematográfico ainda estava por vir. No ano seguinte, o então governador de Minas enviou tropas da PM a Buritis, a 750 quilômetros de Belo Horizonte. O inimigo eram 300 soldados do Batalhão da Guarda Presidencial (BGP), acantonados na Fazenda Córrego da Ponte, de propriedade de três filhos de FHC. O Exército queria impedir uma invasão do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), mas, para Itamar, se tratava de uma violação das normas constitucionais. Em Belo Horizonte, o Palácio da Liberdade foi transformado num bunker, com direito a carro blindado no portão principal. A segurança foi reforçada por atiradores de elite armados com fuzis e metralhadoras e com máscaras tipo ninja. Ao fim da peleja, não houve disputa nem em Buritis nem em Belo Horizonte.

Depois de quatro anos de rompimento, as pazes foram seladas em seminário de comemoração dos oito anos do Plano Real. FHC saudou o “prezado amigo governador” e Itamar o abraçou ao fim do discurso.

CONTAGEM REGRESSIVA Itamar Franco era também obcecado em mostrar a todos que o cercavam que não tinha apego ao cargo e ao poder, que considerava completamente efêmeros. Como prova disso, mantinha um calendário pregado na parede de um pequeno escritório reservado de trabalho, ao lado de seu gabinete presidencial de despachos, no terceiro andar do Palácio do Planalto. Nele, marcava religiosamente cada dia que passava, que considerava um dia a menos no cargo. Justamente por ter sucedido Fernando Collor de Mello, que sofreu impeachment acusado de corrupção, Itamar imprimiu um padrão ético em seu governo. Desse modo, o surgimento de qualquer suspeita de irregularidades ou desvios fazia com que excluísse os auxiliares de seus cargos, por mais que fossem seus amigos.

O ex-presidente preocupava-se com as coisas básicas do dia a dia, como o preço do botijão de gás, da mensalidade escolar, da taxa de juros do cheque especial ou das passagens de ônibus. Bastava que um jornalista ou um assessor o informasse em que o preço do remédio tinha subido exageradamente – assunto que ele tinha fixação –, ou da gasolina, do pão ou do leite, para ele convocar o ministro da respectiva área e exigir explicações. Depois, chamava a imprensa para informar o que estava sendo feito para corrigir aquilo.

Ele odiava todos os rituais da Presidência e, principalmente, o aparato de segurança que o cercava. Não cansava de demonstrar isso. Também não se cansava de tentar driblar os seguranças ou fugir deles. Fez isso várias vezes em Juiz de Fora, cidade que adotou como sua terra natal, em Brasília, ou até durante viagens ao exterior.

Namoros viraram notícia


O universo feminino é um capítulo à parte na trajetória pública de Itamar Franco. Supostos namoros, romances e affairs do ex-presidente se tornaram parte do noticiário nacional, em alguns casos envoltos em aura de escândalo. As imagens de Itamar ao lado de Lílian Ramos, num camarote do carnaval do Rio em 1994, correram o mundo. A modelo, que havia desfilado com os seios à mostra, mandando beijinhos para o presidente, se postou ao lado do chefe da nação vestindo uma microssaia e sem calcinha. E foi fotografada assim.

Quando assumiu a Presidência, Itamar já era divorciado de Anna Elisa Surerus – moça elegante e rica da sociedade de Juiz de Fora –, com quem teve duas filhas, Giorgiana e Fabiana. Ao chegar ao Palácio do Planalto, Itamar mantinha um relacionamento discreto com Lisle Heusi de Lucena, filha do ex-senador Humberto Lucena.

Já no governo de Minas, surgiram rumores de um romance do ex-presidente com sua ajudante de ordens, a tenente da Polícia Militar, Kênia Prates, com quem o então governador chegou a ser fotografado de mãos dadas. Kênia foi substituída pela capitã Doralice Lorentz Leal, que Itamar assumiu oficialmente como namorada. O romance do governador com a discreta e sisuda ajudante de ordem não chegou a incomodar a corporação, até que Doralice foi promovida ao posto de major, em 2001.

No entorno de Itamar, entre os fiéis aliados de Juiz de Fora, sempre se destacavam duas mulheres: Ruth Hargreaves e Neuza Mitterhoff. A primeira é irmã do ex-ministro Henrique Hargreaves, ocupou o cargo de secretária da Presidência e esteve ao lado do ex-presidente em todas as campanhas eleitorais que ele disputou. Já dona Neuza atuava como uma espécie de guardiã de Itamar, com quem trabalhava há mais de 40 anos. Costumava fazer o papel de assessora de imprensa, comandava o escritório político em Juiz de Fora e assessorava o ex-presidente inclusive em sua residência. (Com agências)