Cinco anos longe do poder parecem ter dado a Itamar Franco fôlego suficiente para voltar a movimentar a política nacional. Bastaram seis dias no comando de Minas Gerais, em 1999, para agitar o mundo financeiro ao declarar a moratória unilateral da dívida de R$ 16,2 bilhões com o governo federal. Em poucas palavras, o governador anunciou que durante 90 dias não honraria os compromissos assumidos com a União durante uma renegociação que envolveu vários estados no ano anterior.
Os efeitos foram imediatos: em poucas horas o C-bond – principal papel brasileiro no exterior e termômetro da credibilidade da economia brasileira – perdeu 4% do valor. Ações de bancos e empresas europeias com negócios no Brasil despencaram. Assim como o índice Bovespa e, em efeito cascata, as bolsas mexicana e argentina. Analistas apontaram a moratória como causadora da perda de valor do dólar e queda na bolsa de Nova York.
Ao justificar o ato duramente criticado na ocasião, Itamar Franco apontou uma situação financeira “caótica” em Minas e disse que a suspensão do pagamento visava a garantir os “compromissos sociais, evitando que o caos se instalasse no estado”. O governador exigia ainda uma auditoria na dívida estadual. Um dos pontos mais questionados era o seu atrelamento a uma taxa de juros anual de 7,5% – maior que a adotada em São Paulo, fixada em 6%.
Como retaliação pelo chamado “calote”, Minas Gerais sofreu bloqueios nos repasses do Fundo de Participação dos Estados (FPE), sanção prevista no contrato de renegociação assinado em 1998 pelo antecessor Eduardo Azeredo (PSDB). A moratória terminou em 4 de fevereiro de 2000, 13 meses depois de decretada, com a assinatura junto ao Tesouro Nacional de aditivos ao contrato do acordo da dívida. Na ocasião, ressalvou que continuaria a luta “pela dignidade do povo mineiro”.
Em maio de 2001, voltou a ameaçar uma nova moratória por causa do racionamento de energia –medida implementada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em que os brasileiros não poderiam consumir mais que o limite estabelecido pelo governo federal. O argumento do então governador é que a medida iria interferir na economia de Minas Gerais com a diminuição da arrecadação de ICMS sobre as contas de luz.
Privatização A luta seguinte foi contra a privatização da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). E obteve na Justiça vitória sobre a ação anulatória do governo contra o acordo de acionistas da empresa, obrigando os sócios – as norte-americanas AES, Southern Eletric e o Banco Opportunity – a afastar-se da diretoria da empresa. As multinacionais norte-americanas adquiriram em leilão, durante o governo Eduardo Azeredo, 33% das ações da estatal energética.
Acordo previsto no edital de leilão dava aos sócios privados o direito de participação na administração da empresa e ainda poder de decisão sobre negócios e investimentos. Com a ação judicial, o governo retomou o controle acionário da empresa. No último ano de governo, Itamar Franco veio a público desmentir rumores de que poderia privatizar a Cemig – e lembrou que a venda depende ainda de aprovação da Assembleia e de referendo popular.
A privatização de Furnas Centrais Elétricas foi outra bandeira combatida por Itamar. A ponto de enviar 2,5 mil homens da Polícia Militar para a Região Sudoeste de Minas, onde fica a usina, para uma série de manobras nas margens da represa e em nove cidades mineiras (Passos, Piumhi, Carmo do Rio Claro, Alpinópolis, Capitólio, São João Batista do Glória, Itaú de Minas, Guapé e São José da Barra) banhadas pelo complexo elétrico de 1,44 mil quilômetros quadrados inundados por 22,9 bilhões de metros cúbicos de água.
A chamada “operação” para treinar os novos praças nas “atividades de rua” duraria de 11 a 14 de outubro de 1999. No entanto, a manobra foi interpretada na época como uma demonstração de força de Minas Gerais no momento em que o governo federal se articulava para viabilizar a assembleia de acionistas, que poderia dividir as sete hidrelétricas e duas termoelétricas do complexo de Furnas em três pedaços, para fazer um leilão.
Combativo até a última sessão
Em 113 dias de mandato cumpridos no Senado, Itamar Franco (PPS) se credenciou como um dos nomes mais fortes da oposição ao governo Dilma Rousseff (PT) e protagonizou alguns dos embates mais quentes deste ano: classificou o regimento da Casa de totalitário, acusou o presidente José Sarney (PMDB-AP) de descumprir normas internas e bateu boca com a colega de plenário Marta Suplicy (PT-SP) em torno do metrô de Belo Horizonte.
Por duas vezes Itamar reclamou da falta de equidade no regimento do Senado, que privilegiaria as maiores bancadas partidárias e alguns senadores com a possibilidade de falar mais tempo na tribuna. Criticou ainda o critério de escolha dos integrantes das comissões permanentes, que é feita com base no número de integrantes da bancada, bloco ou partido, criando “senadores de primeira e segunda classes”. O mineiro lembrou que a Constituição Federal determina a paridade entre os estados – cada um elege três senadores – independentemente do seu tamanho.
“Não quero a generosidade de nenhum partido. Por generosidade, não vou pertencer à comissão A, B, C ou D. Eu quero é justiça. Eu quero que nós, que fomos eleitos, sejamos um, dois, três, quatro ou 50, tenhamos equidade nesta Casa, a que servi por mais de 16 anos e que não era assim. O regimento da Casa a que servi não era este nem é o da Câmara dos Deputados. Esse regimento que o Senado está aplicando a nós senadores neste momento é um regimento totalitário que não pode existir numa Casa democrática, como é o Senado da República”, discursou.
Itamar não se intimidou frente ao presidente do Senado, José Sarney. Tentou adiar por três vezes a votação do novo salário mínimo sob o argumento de que o regimento não estava sendo cumprido porque o requerimento de urgência na votação na matéria não foi lido durante o expediente do Senado. Denominado “amigo” e elogiado por Sarney, os pedidos de adiamento não foram atendidos. “Não podemos ficar ao arbítrio da presidência da Casa. O senhor (Sarney) descumpriu o regimento”, argumentou Itamar. “Segui o acordo feito entre os líderes (dos partidos)”, rebateu Sarney. “Tomemos cuidado quando o Senado deixa de ser real para se tornar manobra da maioria”, emendou o mineiro.
Durante a discussão de projetos que viabilizam a construção de um trem-bala de Campinas a São Paulo e Rio de Janeiro, Itamar Franco criticou o alto investimento para a obra (R$ 35 bilhões) e citou a falta de recursos para o metrô de Belo Horizonte, parado há 10 anos. Foi o suficiente para um mal-estar com a relatora da matéria, Marta Suplicy. A petista causou irritação ao dizer que o metrô da capital não é assunto do governo federal. “Lamento, sinceramente, que uma senhora tão inteligente, uma senhora que tem uma vida pública respeitável vai a essa tribuna para defender um projeto inaceitável”, respondeu Itamar. (IS)