Herdeiro da cadeira de Itamar Franco (PPS) no Senado, o presidente do Cruzeiro, Zezé Perrella (PDT), deixou para tomar posse esta semana. Fez questão de respeitar o luto oficial de sete dias decretado pela presidente Dilma Rousseff. E avisa que colocará um retrato de Itamar em seu gabinete: “Se conseguir fazer 10% do que o Itamar fez na vida pública dele, já serei vitorioso”. Perrella vai continuar no comando de seu time e diz que é mais difícil ser cartola do que ser senador. Sobre as denúncias envolvendo a venda de jogadores, Perrella parte para o ataque. Faz questão de dizer que o promotor do caso tem uma bandeira do Atlético em seu gabinete e já ganhou o Galo de Prata, homenagem que o time presta aos seus torcedores ilustres. Na hora de escalar um time de senadores, Perrella coloca o canhoto Aécio Neves (PSDB-MG) de centroavante. Já Demóstenes Torres (DEM-GO) vira ponta direita. O goleiro seria o presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP).
Na verdade eu penso assim: tenho um compromisso com as forças políticas que me elegeram, capitaneadas pelo senador Aécio Neves e pelo governador Anastasia. No plano nacional, realmente o nosso partido tem compromisso com a Dilma. Mas não posso esquecer também que pela Dilma nós perderíamos a eleição. Ela apoiou o (ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) Fernando Pimentel (PT). Sei que tenho compromisso com o partido, mas conversei com o presidente. Quero ter posição bastante independente. Obviamente não haverá alinhamento automático nem com a situação nem com a oposição. Acho que, no que for do interesse de Minas, vou votar com o governo do estado, e o que for interessante para o Brasil vou votar com o governo federal. Realmente a situação é complicada. Tenho dever de lealdade com as forças políticas que me elegeram, com Itamar Franco e Aécio.
O ministro do Trabalho, Carlos Lupi (PDT), também tem essa boa relação. Apesar de ser ministro, tem ótima relação com Aécio.
Vamos conversar com o ministro. Quero ter posição independente. Vou votar com a minha consciência. É uma situação chata. Sou suplente do senador Itamar Franco, que era de oposição. Agora, jamais vou fazer oposição velada ao governo. Ou oposição. Vou procurar agir de forma independente.
Sem radicalismos?
Sem radicalismo. Conversando. Vou fazer oposição a Dilma? Também não. Vou votar no que for importante para Minas e para o Brasil. Sobretudo em relação a Minas. Eu, Aécio e Clésio teremos que trabalhar juntos. O próprio Aécio não tem postura radical.
Como conciliar o Cruzeiro e o mandato?
Tenho uma equipe boa no Cruzeiro. Já consegui conciliar isso quando fui deputado federal. No primeiro momento pensei até em não me candidatar (à presidência do Cruzeiro). Conselheiros fizeram um apelo. Pensei em preparar minha sucessão, porque futebol é mais complicado. Se entrar alguém que não está acostumado a andar no meio, até aprender as coisas, pode se complicar. Não estou dizendo que não tenha alguém que possa se candidatar, apenas que ainda não há a experiência necessária. Eu não estava com expectativa de assumir como senador. Obviamente fiquei chateado. Meu projeto era ficar aqui e preparar minha sucessão. Já que não posso me reeleger. Mas aconteceu a fatalidade com o Itamar e vou ter de conciliar.
É mais difícil ser cartola ou senador?
Ser cartola é mais difícil. Tem que matar um leão por dia. Disputamos três taças Libertadores da América seguidas e o pessoal não fica contente. Foram 82 anos para sermos campeões, aliás, fomos em 1966, foi reconhecido agora, e o pessoal fala que há oito anos não ganhamos nada. É uma pressão danada. Trabalhamos com dificuldades. O orçamento dos times de Minas, na comparação com São Paulo e Rio, só de televisão, é 40% menor.
O senhor vai ser o senador dos cruzeirenses ou dos atleticanos também?
Vou ser senador dos mineiros, até porque tenho boa relação com os torcedores do Atlético. Tenho um irmão que é atleticano. Quero separar isso bem. Em Brasília cuidarei de política. Aqui cuido do Cruzeiro.
O time não atrapalha um pouco? O senhor na passagem pela Assembleia foi um dos deputados mais faltosos.
Não nego isso. Mas a Assembleia é aquela história. Se você reparar, eu estava presente em todas as votações importantes. Até porque tem muita gente que vai lá (a Assembleia) para comer pão de queijo e melancia. Eu ia nas votações importantes.
E a questão do Ministério Público? A investigação sobre a venda de jogadores para o exterior?
Esse promotor aí, Eduardo Nepomuceno, me persegue há oito anos. Já tranquei alguns inquéritos. Ele fez um uma vez para investigar o Cruzeiro, já tramitado e julgado, e o Ministério Público não tinha competência para investigar time de futebol, inclusive com jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Então ele ficou tentando encontrar outras maneiras. Acho que ele deveria se julgar impedido. Porque é um atleticano que já ganhou o Galo de Prata (homenagem do Atlético a torcedores ilustres). Você entra no gabinete do cara e tem pôster e bandeira do Atlético na parede. Acho que mistura um pouco as coisas. Esse negócio de investigação não me preocupa, mas, quando se fala que está sendo investigado, a opinião pública, até por ignorância, entende como se você tivesse sido condenado. Então acho que foi fruto mais de perseguição mesmo. No processo do Ramires, por exemplo, a Polícia Federal abriu investigação sobre isso e o próprio delegado pediu o arquivamento da ação. No caso do Luizão, o delegado, até por não entender bem os meandros do futebol, acha estranho vender um jogador para um pequeno clube do Uruguai. Esse pequeno clube, leia-se Juan Figger, tem mais de 200 jogadores no clube. Por que faz isso? Para começar, no Uruguai ainda existe a lei do passe. Faz isso para segurar o atleta. Então o delegado estranha um pequeno clube do Uruguai ter condições de comprar um jogador e acha que tem rolo em função disso. Só que se ele tivesse me convidado para depor…
Na verdade era a ponte do empresário?
Existe isso. Todos os empresários têm um clube de futebol. Eles não teriam nenhuma garantia. O clube pequeno serve como cartório. É absolutamente legal. Acontece com o Ricardo Guimarães e outros investidores no futebol. Compra um atleta, põe em um pequeno clube para se garantir. Obviamente tem um contrato para remunerar o clube para fazer esse tipo de serviço. É legal.
Mas por que o Ministério Público insiste?
É a primeira vez que falo abertamente sobre isso. O delegado não me notificou. Simplesmente ligaram para o meu gabinete na Assembleia, achei que fosse trote. Tinham que me notificar. E, quando o Alvimar foi lá prestar esclarecimentos, o delegado disse que qualquer coisa que falasse não ia adiantar porque ele iria fazer o indiciamento. Se você ler, o indiciamento fala haver fortes indícios de irregularidades, mas que não encontrou provas. É um absurdo, tanto que o procurador federal até agora não me denunciou. Pediu informações para o clube no Uruguai, que já devem ter sido enviadas. Não acredito que serei denunciado. Agora a gente, que mexe com futebol, tem inimigos poderosos, tanto de um lado como de outro.
Se o senhor fosse escalar um time da política brasileira, quem seria o goleiro, o que segura tudo?
Você fala um time de primeira ou segunda divisão? (risos)
De primeira divisão.
Goleiro seria o Sarney (o presidente do Congresso Nacional, José Sarney), que está aí segurando tudo há muitos anos. Um político que respeito é o Pedro Simon (PMDB-RS).
Aécio é canhoto. Seria o ponta esquerda?
Seria o centroavante.
Até porque não dá para colocá-lo na esquerda, não é?
Ou no meio-campo. Demóstenes Torres (DEM-GO) na ponta direita. Só na ponta direita. Para mim, diferentemente de ideologia, tenho respeito pelas posições. Lula para mim foi uma grata surpresa. Não esperava o que fez. Obviamente houve um boom no desenvolvimento mundial e o Brasil acompanhou. Mas para mim é um político raro, de um carisma danado. E o próprio Lula, quando se transformou em presidente, não era PT. Ficou muito mais, eu diria, de centro-esquerda.
Que projetos pretende apresentar no Senado?
Não é projeto em si. Quero trabalhar muito a bandeira da reforma tributária. Acho que todo brasileiro tem que entender por que um carro custa três vezes mais no Brasil que na Europa, com mão de obra mais cara lá. E defendo o financiamento público de campanha. Sem ele abre-se uma fonte de brechas para corrupção. O cara tem que arrumar dinheiro para campanha…
E firma compromissos para a frente.
E firma compromissos com empreiteiras, com um monte de coisas. Vou pedir para fazer parte da Comissão de Agricultura. Quero também fazer homenagem ao Itamar Franco e ter uma foto dele no meu gabinete para me inspirar nele. Substituir um cara dessa envergadura é difícil. Se eu conseguir fazer 10% do que o Itamar fez na vida pública dele, já serei um grande vitorioso.