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Estado de Minas

Tribunais obrigam governo de MG a pagar R$ 46,5 mi em remédios


postado em 14/07/2011 06:00 / atualizado em 14/07/2011 10:19

Na Constituição brasileira, a regra é clara: saúde é direito fundamental de todo cidadão. Mas a interpretação da prerrogativa se tornou uma polêmica em que – enquanto paciente, médico, Justiça e Executivo não conseguem se entender – uma explosão de gastos desafia os orçamentos do governo estadual e de prefeituras. Só no ano passado, o governo de Minas gastou R$ 46.559.012 apenas em remédios garantidos por decisões judiciais, nada menos do que 28.333% a mais do que o valor desembolsado em 2002 (R$ 164.325). Se o ritmo for mantido, este ano poderá dobrar os gastos de 2010. Até junho, já foram consumidos R$ 46.362.563. Na outra ponta do problema, pacientes alegam não poder pagar por medicamentos que salvariam suas vidas.

Em seu parecer sobre as contas de 2010 do governo de Minas, o conselheiro Sebastião Helvécio, do Tribunal de Contas do Estado (TCE), destacou o crescimento dos valores desembolsados com ações judiciais sobre saúde, alertando para um provável descompasso das contas públicas. Os gastos vão muito além dos R$ 46,5 milhões, uma vez que incluem, além dos remédios, procedimentos e internações. Segundo a equipe de orçamento da Secretaria de Estado de Saúde, há previsão de gasto com decisões judiciais no orçamento, mas a execução tem sido maior do que o esperado. Para as contas fecharem, é necessária uma reformulação na gestão, atrasando gastos com outros projetos.

Segundo a assessora chefe da Assessoria Técnica da Secretaria de Estado da Saúde (SES-MG), Vânia Rabello, o maior gasto com decisões judiciais é referente a remédios que não constam na lista do Sistema Único de Saúde (SUS). “Há uma pressão midiática da indústria farmacêutica. Vendem que apenas aquele remédio pode curar a pessoa. Com a disseminação da informação, mais pessoas têm procurado a Justiça para conseguir medicamento que, muitas vezes, tem similar na lista do SUS”, diz, acrescentando que o setor também faz pressão para que os médicos prescrevam remédios específicos. Para ela, os médicos também têm responsabilidade pelo crescimento dos gastos. “É ele quem prescreve. Pede, inclusive, marca de remédio”, comenta. Ela recomenda que o paciente procure a secretaria antes de acionar a Justiça.

Para o presidente da Associação Médica de Minas, José Carlos Collares Filho, a universalização da saúde prometida pelo SUS é a culpada pelos gastos desenfreados com decisões judiciais. “O SUS promete algo que não pode cumprir. As pessoas acreditam e pressionam os médicos para receitarem medicamento de ponta. É muito fácil colocar a culpa no médico”, afirma.

Na tentativa de diminuir a briga na Justiça, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais recomendou no mês passado que os juizes procurem a Secretaria de Estado de Saúde antes de proferirem decisões na área. “Tentamos não interferir na relação entre Executivo e médicos. A recomendação é para que os juizes só concedam liminar para casos em que não há genérico ou similar do medicamento na lista do SUS”, explica a desembargadora Vanessa Berdolin, integrante do Fórum Permanente sobre Direito da Saúde. Para ela, uma das alternativas para o problema é que cada fórum tenha uma equipe médica, sem ligação com a SES-MG, que possa orientar os juizes sobre a necessidade do remédio.

Prefeituras

Não há dado que revele quanto as prefeituras estão desembolsando com ações judiciais – como a gestão da saúde é dividida entre União, estados e prefeituras, o paciente pode acionar qualquer âmbito na Justiça. Mas o presidente da Associação dos Municípios Mineiros, Ângelo Roncalli, diz que os municípios estão sofrendo para arcar com os custos. “As prefeituras têm orçamento muito pequeno. Pouca gente sabe que, em Minas, as prefeituras investem anualmente 23% do seu orçamento na saúde, enquanto a Constituição define gastos em 15%. Além desse encargo, ainda estamos gastando com a judicialização da saúde”, afirma Roncalli.

Segundo ele, há municípios que precisam cortar verbas em investimento para conseguir fechar as contas. A falta de regulamentação da Emenda 29, que define os gastos com saúde de cada esfera, é responsável pelos processos na Justiça. “Os municípios estão sendo penalizados pela falta de vontade política do Congresso. Enquanto se desentendem com a União, somos obrigados a esperar pela definição da Emenda 29. Só a sua regulamentação pode definir quem deve gastar com o quê. Hoje, por exemplo, somos obrigados pela Justiça a pagar procedimentos de alta complexidade, que não são nossa responsabilidade.”

Decisões levam em conta opinião médica

“Por omissão da União, do estado e dos municípios, a Justiça tem sido responsável por dar atendimento digno ao cidadão na saúde”, diz o presidente da SOS Vida, Antônio Carlos Teodoro. A organização não governamental auxilia cidadãos em casos de omissão e erro médico. Teodoro discorda da possibilidade de trocar medicamento prescrito por similares e genéricos da lista do Sistema Único de Saúde, como sugere a Secretaria de Estado da Saúde (SES-MG), e defende a busca do remédio pela Justiça.

Segundo Teodoro, há decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto em que se levou em conta a opinião do médico. “Eles definiram que quem indica tratamento para o paciente é o médico, e não o Executivo”, diz. Para ele, o paciente deve lutar para garantir o remédio indicado pelo médico. “Ele tem registro profissional e sabe que está prescrevendo o melhor.”

Foi o que fez a dona de casa Carmela Salomão, de 40 anos. Em abril do ano passado, ela garantiu na Justiça o direito de receber mensalmente medicamento para Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade para a filha Maria Eduarda, de 8. A cartela com 30 comprimidos do medicamento Cloridrato de Metilfenidato custa cerca de R$ 200 e está garantida até quando a médica prescrever para a criança.

Segundo ela, a menina já sofreu muito com o transtorno, que a isolava de outros colegas na escola e dificultava sua aprendizagem. “A criança não sofre disso porque quer. Precisa do remédio para controlar sua dificuldade. Se o SUS não atualiza sua lista de remédio, uma vez que a medicina avança dia após dia, é necessário que as pessoas recorram à Justiça”, diz.

Carmela conta que o SUS disponibiliza um medicamento para a doença da filha, mas ele resolveria o problema em parte. “Esse medicamento tem um efeito mais curto do que o que conseguimos na Justiça. Então, duraria até a aula de manhã, mas não teria mais efeito durante o dever de casa, mais tarde. Seria complicado para uma criança tomar dois comprimidos por dia de um remédio tarja preta.”

Sem saída

O motorista de ônibus José Ribeiro, de 55, morador de João Pinheiro, na Região Noroeste de Minas, foi pelo mesmo caminho. Seu tratamento para glioblastoma multiforme no cérebro, no grau mais sério, sairia por mais de R$ 100 mil. Sem renda para cobrir o custo, ele recorreu à Justiça. Desde outubro, garantiu o direito de receber um medicamento que acompanha a quimioterapia. “Não havia outra saída. Precisamos agarrar na mão de alguém. E foi na da Justiça”, lembra o primo dele, Sílvio França, de 48, corretor de imóveis.


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