Jornal Estado de Minas

Cada curva é um bandido

Fraudes no Dnit deixam só na promessa as reformas na BR-040

Amanda Almeida
"Justiça seria ver tudo reformado. Mas entra presidente, sai presidente, e nada muda" - Agostinho da Costa Sobrinho, artesão, de 51 anos - Foto: Cristina Horta/EM/D.A Press“É como se o bandido que matou meu irmão estivesse solto”. Seis anos depois da morte, nada mudou para o “homicida” do irmão do artesão Agostinho da Costa Sobrinho, de 51 anos. As “armas”, que assassinaram também outras pessoas, continuam as mesmas: trechos estreitos, curvas sinuosas, pistas sem acostamento, sentidos contrários sem separação por mureta, passarelas inexistentes. Para o artesão, a BR-040, entre Ouro Preto e Ressaquinha, passando por Congonhas e Conselheiro Lafaiete, será sempre uma ameaça. “Justiça seria ver tudo reformado. Mas, entra ano, sai ano, entra presidente, sai presidente, e nada muda”, comenta. O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) anunciou que a licitação para revitalização do trecho sairia este mês, mas a obra acabou entrando para a lista de intervenções congeladas, em meio à crise do Ministério dos Transportes.
Morador de Congonhas, na Região Central, Agostinho tem de conviver diariamente com os perigos da rodovia que levaram à morte do irmão. “Percorro dois quilômetros dela, entre a minha casa e o trabalho. Parece pouco, mas sempre me sinto ameaçado”, diz. Nas margens da BR-040, ele vende as panelas que produz. Para chegar ao local, precisa cruzar a pista em plena curva. Sem acostamento ou retorno próximo, resta aos motoristas colocar o pé no freio e torcer para não aparecer outro veículo em alta velocidade na pista contrária. Segundo Agostinho, no trecho, em Congonhas, são comuns acidentes em que um carro é atingido por caminhão ao tentar passar de uma margem para outra. O irmão do artesão foi vítima da falta de passarela. Seis anos atrás, voltava do trabalho, quando foi atingido por um caminhão ao tentar atravessar a rodovia.

Já a estudante Patrícia Guimarães Lopes, de 17, também moradora de Congonhas, viu a casa do primo ser invadida por um caminhão desgovernado. “Moramos na margem da rodovia. É uma curva muito perigosa, estreita e sem acostamento. Pesado, o caminhão perdeu o freio e atingiu a casa do meu primo. A sorte é que não havia ninguém no cômodo destruído”, afirma. Batidas de frente também são relatadas como comuns pela equipe da Polícia Rodoviária Federal com posto na cidade. Não há muretas para dividir os dois sentidos.

A situação não é resolvida quilômetros depois, em Conselheiro Lafaiete, na mesma região. O mecânico Tarcísio Amorim Ferreira, de 48, conta que já viu vários amigos se acidentarem no trecho. “Passou da hora de duplicarem parte desta estrada. Assistimos a acidentes toda semana”, afirma. Apesar do medo de se tornar a próxima vítima da rodovia, ele visita a família de Belo Horizonte com frequência. “É sempre uma tensão, mas a gente tem de enfrentar. Não tem outro jeito.”

O trecho que seria reformado pelo Dnit também passa por Cristiano Otoni e Carandaí. O investimento seria de R$ 350 milhões, com adequações de pontes e viadutos, mudança de traçado em pontos com alto índice de acidentes e duplicação da pista nas áreas urbanas. O vice-prefeito de BH, Roberto Carvalho (PT), se reuniu nessa quinta-feira com equipe do Ministério dos Transportes, fazendo apelo pela licitação. Em 5 de julho, o ministério suspendeu todas as licitações em andamento, diante da crise na pasta. Minas viu congelados investimentos de R$ 2,7 bilhões, que incluíam também a duplicação da BR-381, no trecho entre BH e São Gonçalo do Rio Abaixo e a revitalização do Anel Rodoviário da capital.