Os brasileiros que optaram por morar em lonas quentes ou em casas de adobe – que parecem estar prestes a desmoronar – acreditam que insistir em ficar nas áreas de risco, apesar da alta probabilidade de atropelamentos e da estrutura precária de saneamento, é a única forma de pressionar o governo para que recebam casas próprias ou dinheiro. Uma estratégia em geral ineficiente, como indica história de Claudinete Atanario, de 20 anos, integrante da segunda geração de uma família que cresceu à margem da AL-101 e hoje, passados 20 anos e depois da morte de três parentes por atropelamento, ainda espera propostas do Estado para realocá-la.
As margens das rodovias brasileiras abrigam gente como a agricultura Geralda Santa Rosa, de 56, que permanece à beira da BR-251, no município de Salinas, no Norte de Minas, e afirma ter comprado o lote onde vive antes da abertura da estrada; ou famílias como a de César da Silva, de 27, que, depois de ficar desempregado, saiu da casa alugada para se alojar com a mulher e três filhos em um pedaço de acostamento na BR-364 para plantar hortaliças e viver da colheita.
Em meio a histórias trágicas e a outras que apenas resumem as deficiências das políticas habitacionais, os números impressionam e deixam uma mostra do vácuo que existe no processo de fiscalização. Em todo o Brasil, a Polícia Rodoviária Federal registrou 5.298 atropelamentos em 2010. Foram 1.552 mortes somente em rodovias federais. Em muitos casos, efeitos colaterais de uma ocupação desordenada e fora de controle, já que o Dnit, a quem caberia fiscalizar, não tem números ou levantamentos sobre as áreas de domínio da União que hoje abrigam famílias.
A Polícia Rodoviária Federal, por sua vez, afirma que a retirada de invasores somente pode ser feita depois de um processo administrativo, cuja responsabilidade é do Dnit, a quem cabe a concessão de licenças para ocupação e plantio. "Enquanto o Estado não tiver ação efetiva e controle dessas áreas, as pessoas vão se apoderar delas. Os órgãos não agem, não sabem em que regiões estão esses brasileiros. Enquanto isso, as áreas vão virando moradias e plantações", avalia a arquiteta e professora de urbanismo Lúcia Moraes, que atuou até 2009 como Relatora Nacional para o Direito Humano à Moradia Adequada e Terra Urbana da Plataforma Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Dhesca). (Colaborou Luiz Ribeiro)