Fronteira e Frutal – Logo na entrada da cidade, a primeira imagem de abandono: um ônibus enferrujado largado há mais de dois anos junto a outros entulhos. Ao pedir referência de onde fica a Câmara de Fronteira, a resposta mostra a outra face do desamparo: “Está logo à frente, mas vereador não tem”. Isso porque foram todos presos na semana passada, acusados de desviar R$ 570 mil dos cofres públicos. A resposta do morador de Fronteira pode justificar a imagem que fica para os visitantes do município, que parece parado no tempo. Com 15 mil habitantes e potencial turístico, a cidade do Triângulo Mineiro é sede da Usina Hidrelétrica de Marimbondo, a segunda maior da Furnas Centrais Elétricas. A dúvida da população é para onde vai todo esse dinheiro.
A esperança dos fronteirenses, que fizeram festa na terça-feira, quando todos os nove vereadores foram presos, é de que a arrecadação do município comece a refletir em melhorias para a população daqui para frente. Os parlamentares, acusados de usar recursos da verba indenizatória com rodízios de carne, rodadas de chope, garrafas de vodca e combustível suficiente para ter feito 54 voltas no mundo, disseram em audiência no Fórum de Frutal, na quarta-feira, que usavam indevidamente os R$ 3 mil mensais para ajudar a população com ambulâncias, transporte para outras cidades e remédios. A reportagem não encontrou, portanto, ninguém que confirmasse essa informação. Pelo contrário, houve mais quem chegou a dizer que pediu e teve a porta na cara.
A dona de casa Fabiana Souza da Silva conta ter ido várias vezes à casa de um dos vereadores solicitar um caminhão para fazer mudança. “Ele falava que não tinha dinheiro. Até caçamba eles me negaram”, comenta. Do seu pai, entretanto, vão todo mês cobrar a prestação da colônia dos pescadores, presidida por um dos vereadores afastados. “Não pode atrasar um dia que eles já estão batendo na sua porta para pedir o dinheiro”, afirma a mãe de Fabiana, Rosângela Alves de Souza, de 44 anos.
No hospital municipal, à espera de um médico, Jucélia da Silva, de 34 anos, xinga aos gritos os vereadores e é compreendida por Sandra Artur Desante Silva, de 30, que teve de pedir carona ao vizinho carona porque não tinha ambulância disponível. “Estou em tempo de ficar cega e não tem nem médico para me atender”, revoltas-se. Ela diz que já pediu atendimento também a um dos vereadores presos, quando a filha estava com anemia. A resposta foi a de sempre: “Não posso dar agora. Pedi no posto de saúde”, comenta.
PASSADO
Sandra também não teve atendimento quando o filho cortou o rosto. Segundo ela, a ambulância demorou mais de 40 minutos para chegar ao local, que fica a 5 minutos do hospital. “Hoje estou passando mal e tive de pedir ajuda ao vizinho”, diz, se referindo a José Paulo da Silva, de 60 anos. Ele chegou a Fronteira na década de 1970, vindo do Ceará, para trabalhar na construção da hidrelétrica. Ele lembra que a corrupção faz parte da história da cidade e comemora o que ocorreu na Câmara. “Os vereadores estão tendo o que merecem, nunca os vi fazendo nada para o povo. Só aparecem em época de eleição para pedir voto. A saúde mesmo está um caos”, ressalta.
PROBLEMAS
Há dois anos sem vereadores para propor leis e fiscalizar o Executivo, alguns serviços básicos ficaram a desejar em Fronteira. A saúde é o mais crítico, segundo os moradores. Eles reclamam também de ruas sem asfaltar e obras paralisadas. “Há mais de um ano prometeram asfaltar o meu bairro”, diz uma secretária de 25 anos, que não quis se identificar por ter parentes empregados na prefeitura. Ela reclamou também da falta de áreas de lazer para os jovens. Uma quadra, obra do governo de Minas em parceria com a prefeitura, é um dos espaços que, segundo a secretária, poderiam estar sendo usados para motivar os jovens. “O governo investiu todo o dinheiro, eram R$ 110 mil, e a prefeitura não a continuou a obra com os R$ 40 mil restantes”, critica. O prefeito não foi encontrado para comentar o caso.
Enquanto isso... prisões pelo país
Embora seja difícil chegar ao número exato de quantos dos 51.992 vereadores do país estejam envolvidos em crimes graves, em pouco mais de dois anos de legislação dezenas de parlamentares foram presos em flagrante. Segundo publicou o Estado de Minas em 10 de abril, os crimes previstos pelo Código Penal brasileiro e leis especiais vão de estupro e assassinatos a extorsão, assaltos, tráfico de drogas, corrupção, lavagem de dinheiro, peculato, pedofilia, formação de quadrilha e exploração de jogo. Em Minas, estado que tem 7.865 vereadores, foram registrados casos como o de São Sebastião do Maranhão, no Vale do Rio Doce, onde o parlamentar Geraldo do Nascimento Santos (PT) foi preso, acusado de ser o mandante do assassinato do prefeito Gildeci Gomes Sampaio (PDT), entre os casos. Na Zona da Mata, o vereador Ronaldo José Fernandes é suspeito de ser o grande mentor de um esquema de roubo de carros e caminhões. Em Ibitiúra de Minas, Sul do estado, o vereador Eduardo Bergamin foi preso ao lado do pai, o ex-prefeito Donizeu Bergamin, e outras 41 pessoas por suposto envolvimento em uma organização criminosa especializada em roubo de café, gado, máquinas e implementos agrícolas.