Jornal Estado de Minas

Misto de vergonha e alegria

A notícia da prisão de todos os nove vereadores de Fronteira agradou moradores que já percebiam algo estranho nos hábitos dos políticos depois de eleitos. A faxineira Camila Costa, de 27 anos, lembra que até quinta-feira, dois dias depois de os parlamentares terem sido presos, muitos soltaram foguetes na cidade. “A prisão foi, de uma certa forma, uma vergonha para nós, mas muito bem-vinda”, afirma. O Estado de Minas teve acesso, com exclusividade, às denúncias encaminhadas à comarca de Frutal com as provas de desvio de verbas. No relatório são destacadas algumas conversas dos parlamentares por telefone. Nos diálogos, um dos vereadores pede para o funcionário de um posto – famoso na cidade pela prática – emitir nota como se ele tivesse feito os abastecimentos que não ocorreram, com a intenção de ficar com o dinheiro da verba indenizatória destinada aos gastos com combustíveis.
Na conversa, gravada com autorização da Justiça, o vereador se mostra indignado com a negativa do funcionário: “Mas, gente… como que faz um trem desse, eu não estou abastecendo, estou pegando aí para abastecer. Mês passado eu peguei, ela me deu o valor em dinheiro”, comenta o político. Um dos responsáveis pela primeira denúncia que chegou às mãos do Ministério Público a respeito dos desvios da verba indenizatória, o radialista Sidclei Arrevolti contou que os parlamentares, depois de eleitos, compraram casa nova e veículos. “Eles tinham um salário de R$ 3 mil. Era incompatível com os bens que eles começaram a ter”, afirma.

A dona de casa Celeste Novais Barbosa, de 40 anos, contou que todo mundo via, mas tinha medo de falar. “Eu não achava que aqui teria algum dia Justiça e ordem. Não estou nem acreditando. Foi festa na cidade”, exclama. Para o aposentado que foi vereador nos anos 1970 em Fronteira Jauad Feris, de 75, os parlamentares mereciam a prisão por terem extrapolado os limites. “Nós todos cometemos erros, mas eles ultrapassaram todos os limites. Merecem ficar na cadeia”, ressalta.

INCRÉDULOS

Mas se para uns a prisão foi merecida, para quem conhecia os vereadores há muito tempo a sensação é de surpresa e desconfiança. “Fiquei estarrecida. Nós tínhamos amizade. Não tenho nada a reclamar deles como pessoas. Não sei ainda como políticos”, pondera uma funcionária pública que preferiu não revelar o nome. Para o aposentado José Marques da Silva, de 60, os vereadores devem receber punição, mas não deveriam estar presos. “Eles não oferecem risco à sociedade. Não merecem a dura que estão levando.”

A aposentada Sônia Montalvão, de 61, conheceu alguns dos vereadores quando ainda eram pequenos. “A gente nunca botou fé que isso ia acontecer, nem eles acreditavam que ia acontecer. Não pensei que Fronteira tinha tanto dinheiro”. Para ela, a notícia causou um estranhamento por conhecer os parentes dos vereadores e tê-los visto crescer. (AM)


Memória / Planejamento só no começo

A cidade pacata, de 15 mil habitantes, que ganhou os holofotes na semana passada depois de os nove vereadores eleitos serem presos, nasceu a partir do sonho do intelectual paulistano Maurício Goulart. Ele queria criar um município modelo no meio do Brasil Central. O projeto, iniciado na década de 1940, foi executado e, diferentemente de algumas cidade pequenas no interior mineiro, Fronteira tem avenidas e ruas largas desde a construção. Inaugurada em 1943, recebeu um monumento que se tornou cartão-postal da cidade: uma estátua de 12 metros de altura retratando um homem nu, assinada pelo artista Júlio Guerra, discípulo de Victor Brecheret. Nela foi escrito: “Aqui, onde era a selva, e só a selva, nasceu Fronteira pela vontade de alguns homens, por amor do Brasil”. Na década de 1970, grande parte da cidade foi inundada por Furnas, devido à construção da Usina de Marimbomdo. Também por causa desse empreendimento que estava chegando à cidade, muitas pessoas imigraram para Fronteira. A hidrelétrica, atualmente, é ponto turístico do município.