Jornal Estado de Minas

Dívida com a União acende sinal vermelho nas contas do governo de Minas

Comprometimento da receita de Minas com o pagamento da dívida com a União, que já soma R$ 57,1 bi, deve saltar dos atuais 13% para 40%, a partir de 2028, caso indexador seja mantido

Bertha Maakaroun - enviada especial

- Foto: Arte EM

A persistir o atual indexador da dívida dos estados com a União, a partir de 2028 Minas Gerais terá de comprometer algo próximo a 40% de sua receita líquida real para cumprir o contrato e quitar o “resíduo” de seu débito até 2038. A alta carga de serviço da dívida – que entre 1998, quando foi negociada, e dezembro de 2010 acumula encargos de 684% – faz com que o saldo devedor original de R$ 14,8 bilhões tenha alcançado em junho a cifra de R$ 57,14 bilhões, apesar de, no período, o estado já ter pago cerca de R$ 19,7 bilhões. “É uma bomba-relógio que vai estourar em 2028. O saldo do resíduo para alguns estados será insuportável”, afirma o secretário de Estado da Fazenda, Leonardo Colombini. Com ele faz coro o vice-governador, Alberto Pinto Coelho (PP), em referência ao Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI), adotado para a correção monetária: “Esse indexador transformou-se em monstro devorador dos recursos escassos de estados e municípios, tornando-se o mais alto dos indicadores de correção”.

O problema não é exclusivo de Minas e mobiliza secretários de Fazenda de todos os estados, que têm de lidar com as projeções da explosão do saldo dos débitos ao fim dos 30 anos, a contar da negociação das dívidas com a União em 1998. Para ter uma ideia do comportamento galopante do saldo devedor de estados e municípios para com a União, os pagamentos feitos pelos governos estaduais e prefeituras entre 2000 e 2010 somaram, segundo o Balanço Geral da União, R$ 199,8 bilhões. Apesar disso, o saldo dessas dívidas mais do que dobrou em relação ao valor nominal original, saltando para R$ 439,8 bilhões.

Mobilizados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), os secretários estaduais de Fazenda já receberam sinalização favorável do Ministério da Fazenda para dar sequência à negociação. “O governo vai nos chamar para uma reunião extraordinária do Confaz neste mês, para discutirmos a questão da dívida, além de avanços na revisão do ICMS”, informa Colombini. O ministro Guido Mantega,já reconheceu publicamente que o ideal seria trocar o IGP-DI pelo Índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA), ressalvando, contudo, o fato de a Lei de Responsabilidade Fiscal impedir nova renegociação das dívidas.

A proposta de Minas levada ao Confaz é de que o indexador da dívida dos estados esteja limitado ao custo da dívida da União. “Não seria necessário mexer na Lei de Responsabilidade Fiscal. Bastaria um artigo estabelecendo que a dívida dos estados seria corrigida como a da União”, afirma Colombini, referindo-se ao fato de que a taxa Selic, normalmente empregada pelo governo federal, foi de 9,5% no ano passado. Já a correção da dívida de Minas no ano passado foi de quase 20%: 7,5% de juros mais 11,3% IGP-DI.

Opinião semelhante manifesta o economista tributarista Fabrício Augusto de Oliveira, que tem elaborado estudos para órgãos públicos sobre a dívida de Minas. Para ele, os encargos da dívida são absurdos. “Entre 1998 e 2010, passamos por vários anos de muita turbulência econômica e a taxa média Selic, que remunera os títulos do governo, teve variação acumulada de 650%. Já a correção da dívida de Minas com a União no período foi de 684%. Isso significa que o governo federal está obtendo ganhos líquidos com os estados”, afirma. Para Fabrício Oliveira, em 2028, a dívida dos estados será “impagável”.

Descompasso

O que explica o crescimento vertiginoso do saldo da dívida contratual de Minas com a União é o descompasso entre a correção do IGP-DI, que alimenta o débito e tem influência sobre as exportações e o câmbio, e o IPCA, índice utilizado para as projeções orçamentárias do estado, que tem no ICMS a sua principal fonte de receita. Em 1998, os estados renegociaram por 30 anos as suas dívidas com a União, adotando a indexação do IGP-DI, acrescidos de juros, que variaram entre 6% e 9%, dependendo do abatimento da dívida inicial prevista no contrato. Minas e Pará abateram 10% e, por isso, contrataram juros de 7,5%. São Paulo e Rio de Janeiro, abateram 20% e têm juros de 6%. Enquanto Minas paga ao ano 13% de sua receita líquida real, muito influenciada pelo IPCA, o saldo da dívida é corrigido pelo IGP-DI. “A disparidade entre o que se paga – como juros e indexadores da dívida – e a receita que alimenta esse mesmo pagamento é grande”, considera Alberto Pinto Coelho.

No ano passado, a receita líquida real de Minas foi de cerca de R$ 25 bilhões, portanto, o estado desembolsou R$ 3,25 bilhões, mas incorporou com a correção e os juros cerca de R$ 10 bilhões ao saldo devedor.

Memória - moratória de Itamar

Cinco dias depois de tomar posse, em 1º de janeiro de 1999, o governador Itamar Franco declarou a moratória unilateral da dívida contratual com a União, de R$ 14,8 bilhões. Negociada por seu antecessor Eduardo Azeredo (PSDB) com o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Minas se comprometera a pagar a dívida em 30 anos, prorrogáveis por mais 10 anos – portanto até 2038. O acordo previa o pagamento de 13% da receita líquida real do estado, acrescidos de juros de 7,5% ao ano mais a correção do IGP-DI. A moratória duraria pouco mais de um ano. Na prática, durante esse período, Minas foi o estado mais adimplente do Brasil. “A União bloqueava os recursos do estado todo mês para garantir o pagamento”, afirma Fabrício Augusto de Oliveira , então secretário-adjunto da Fazenda.