A torneira do desperdício do dinheiro público do Ministério do Turismo, por meio de emendas parlamentares, continua aberta e está longe de ser lacrada, apesar das denúncias dos desvios de recursos especialmente para a promoção de eventos e festas. Enquanto a Polícia Federal e Ministério Público Federal tentam conter as irregularidades de R$ 4 milhões em emendas para capacitação, a destinação de verbas para o turismo interno, por deputados, jorra e enche os cofres de prefeitos, empresas e parlamentares e provoca rombo nos cofres dos municípios. Nos últimos 32 meses foram liberados mais de R$ 549 milhões, de emendas parlamentares, para festividades em diversas prefeituras do país. Algumas delas são investigadas desde 2008 pela Procuradoria da República por graves irregularidades, como fraude em licitação, superfaturamento, criação e contratação de empresas fantasmas, entre outros, conforme publicado com exclusividade pelo Estado de Minas, em 2009. Este ano, apesar dos R$ 38,9 milhões empenhados, pouco foi liberado – motivo de queixa dos deputados. O braço dos desvios, de acordo com o MPF, é longo e atinge Minas, São Paulo, Rio, Bahia e Espírito Santo.
O procurador da República Edilson Vitorelli Diniz Lima define o esquema como “um plano arquitetado por uma quadrilha altamente qualificada, que se utiliza de facilidades na aquisição de verbas públicas junto ao Ministério do Turismo”. Dois dos operadores do esquema de emendas investigados são o deputado federal João Magalhães (PMDB) e o empresário Jairo Cássio Teixeira – ex-prefeito de Coroaci, no Vale do Rio Doce, e dono da Tamma Produções Artísticas, correligionário do peemedebista. Magalhães está respondendo a processo no Supremo Tribunal Federal (STF) por cobrança de propina em troca de emendas e é investigado nas operações João-de-Barro, por desvio de verbas do PAC, e Sanguessuga, da área da saúde.Benesse
Com 853 municípios, Minas expõe bem o derrame de recursos do Ministério do Turismo em todo o país. As prefeituras de Central de Minas e Frei Inocêncio, ambas no Vale do Rio Doce, alvos de investigações, mereceram, cada uma, R$ 100 mil de repasse para festas, somente no primeiro semestre. Uma benesse que chegou também à Prefeitura de Cuparaque, agraciada com R$ 100 mil, em julho de 2010, para a promoção de seu tradicional evento: a Festa do Peão do Boiadeiro e do Cuparaquense Ausente. A cidade, ao lado de São José do Divino e São Geraldo do Baixio, que também mereceram R$ 100 mil este ano cada uma, é suspeita de irregularidades na aplicação dos recursos em anos anteriores, segundo o MPF.
Magalhães confirma que é autor da emenda para São Geraldo do Baixio, este ano, mas diz que não vê problemas porque o Ministério do Turismo envia um fiscal para cada um dos eventos promovidos com dinheiro público. “Faço questão de exigir isso e ainda verifico a prestação de contas da prefeitura. Se existe irregularidade, é na execução da emenda e, neste caso, quem tem que se explicar são os prefeitos”, esquiva-se. As apurações da Procuradoria de República mostraram que a maioria das empresas é contratada sem licitação ou mesmo quando há concorrência existe um acerto entre as produtoras, grande parte com sócios em comum.
Por meio da assessoria de imprensa, o Ministério do Turismo informou que “a área técnica verificou que as prefeituras estavam com cadastro regular no Cadastro Único de Convênio (Cauc), ou seja, adimplentes com o governo federal”.
Entenda o esquema de fraudes
COMO COMEÇOU
No fim de 2008, a partir de denúncias de fraudes envolvendo festas em Virgolândia e Central de Minas, no Vale do Rio Doce, o Ministério Público Federal passou a investigar irregularidades nos eventos em municípios. Todas as festas foram patrocinadas com emendas parlamentares, a maioria de autoria do deputado federal João Magalhães
(PMDB-MG). Nessas duas cidades, as empresas responsáveis pelas festas foram contratadas sem licitação. Em Central de Minas, os cartazes da festa ficaram prontos antes da realização da concorrência.
DISPENSA DE LICITAÇÃO
Para justificar a dispensa de licitação, prefeituras alegavam que artistas e bandas, a maioria desconhecida nacionalmente, eram “reconhecidos pela crítica especializada ou pela opinião pública em geral”. Nos editais das concorrências, prefeituras exigiam determinadas bandas que já tinham contrato de exclusividade com as produtoras suspeitas de participação no esquema. Alguns contratos de exclusividade foram fechados dias antes da abertura do edital.
EMPRESAS DE FACHADA
Muitas produtoras de eventos existem apenas no papel. O Estado de Minas visitou endereços e constatou que algumas empresas estavam registradas em endereços inexistentes ou em casas particulares (na foto, casa em Caputira, na Zona da Mata, onde segundo notas fiscais funcionaria a Tamma Produções). Cruzamento de dados da Receita Federal e da Junta Comercial de Minas também apontou a existência de sócios em comum em mais de uma empresa.
PROCESSOS MONTADOS
O EM também revelou que planos de trabalho, peças que deviam ser produzidas pelas prefeituras para liberar os recursos, tinham trechos idênticos. Caso de Virgolândia e Machacalis, distantes 300 quilômetros uma da outra.
EMENDAS PARLAMENTARES
As suspeitas sobre as festas apontam para esquema envolvendo comércio de emendas parlamentares, nos moldes de fraudes já desbaratadas pelas operações Sanguessuga e João-de-Barro. Desde 2008, a destinação de emendas para promoção de eventos aumentou. Em 2010, o Ministério do Turismo empenhou R$ 189,6 milhões destinando recursos para esses eventos. Este ano, foram, até agora, R$ 38,9 milhões.