Jornal Estado de Minas

Dúvida sobre Ficha Limpa ronda tribunais eleitorais

Julgamento da constitucionalidade da Lei Ficha Limpa põe em alerta presidentes dos TREs de todo o país, que temem a derrubada das regras para as eleições municipais do ano que vem

Bertha Maakaroun - enviada especial

Os presidentes dos tribunais regionais eleitorais (TREs) de todo o Brasil estão em alerta e apreensivos com a possibilidade de que, com a nova composição do Supremo Tribunal Federal (STF), a Lei Ficha Limpa, que já não foi aplicada nas eleições do ano passado, caia em definitivo quando da apreciação de sua constitucionalidade.

Reunidos em Belo Horizonte no 54º Encontro do Colégio de Presidentes de Tribunais Regionais Eleitorais, os desembargadores decidiram incluir na Carta de Minas, que será divulgada amanhã, um apelo para que o mérito da Lei Ficha Limpa seja julgado antes das eleições municipais de 2012. Mais do que isso, a maioria dos desembargadores se posiciona claramente pela vigência da lei de iniciativa popular, que consideram fundamental para extirpar da política brasileira candidatos inidôneos.

"Aguardamos o julgamento do STF com uma espada sobre nossas cabeças, que poderá baixar sobre nossos pescoços para liquidar com a lei" - Walter Guilherme de Almeida, presidente do Colégio Eleitoral e do TRE-SP - Foto: Beto Novaes/Em/D.A Press“Entendemos que a lei não viola nenhum princípio constitucional. Mas aguardamos o julgamento do STF com uma espada sobre nossas cabeças, que poderá baixar sobre nossos pescoços para liquidar com a lei”, afirmou o presidente do Colégio Eleitoral , Walter Guilherme de Almeida, do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP).

Igual opinião manifestou a vice-presidente do Colégio Eleitoral, desembargadora Zelite Carneiro, presidente do TRE de Rondônia: “A corrupção fere a dignidade do povo. Está na hora de acabarmos com isso. Sou inteiramente a favor da Ficha Limpa. Defendi com todas as minhas forças e fiquei alquebrada e decepcionada quando recebi ordem superior para diplomar um ficha-suja, que tinha um mandado de prisão”.

Para Zelite, a Lei Ficha Limpa representou a manifestação de brasileiros que querem um processo eleitoral livre de pessoas com passado questionável. “Eu me arrepio quando penso nisso”, afirmou ela, manifestando preocupação com o julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 29 de autoria do PPS e da Ação Direta de Inconstitucoinalidade (Adin) 4.578, proposta pela Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL).

O PPS pede que seja reconhecida, pela Corte, a validade da Lei da Ficha Limpa e a sua aplicação para os fatos ocorridos antes da vigência da norma, nas eleições de 2012, que resultaram em condenações por órgãos colegiados. Já a CNPL questiona o dispositivo da lei que declara inelegível quem for excluído do exercício da profissão por decisão de conselho profissional.

Votos validados alteraram mandatos

Em março, durante o julgamento do caso do deputado estadual Leonídio Bouças (PP), cuja candidatura havia sido impugnada por condenação em órgão colegiado, o STF decidiu, por 6 votos a 5, que a Lei Ficha Limpa não teria validade para as eleições de 2010. Bouças também levantou outro debate: argumentou que havia sido condenado antes da vigência da lei, que não poderia retroagir em seu prejuízo. Atacava, portanto, o mérito da lei. Depois de ter prevalecido o entendimento de que a lei não seria aplicada para o pleito passado, o mérito não foi julgado.

Mas o assunto continua a assombrar os presidentes dos tribunais regionais eleitorais, que este ano, após a decisão do STF, tiveram que validar os votos dos candidatos que concorreram com pendências judiciais e foram contados separadamente. Além de esses votos terem alterado os quocientes eleitorais e os quocientes partidários, houve candidatos que depois de terem sido proclamados eleitos perderam o mandato.

“Esperamos que o STF seja ágil e defina a situação antes do registro das candidaturas para evitar o que ocorreu em 2010. Fizemos a eleição e ainda estamos retotalizando voto. Sem dúvida isso traz insegurança jurídica”, afirma Kildare Carvalho, presidente do TRE-MG. Criticando os adeptos do argumento de que a Lei Ficha Limpa violaria o preceito constitucional de que qualquer sentença condenatória, para ter efeitos, só valeria após o trânsito em julgado, Kildare assinala: “Matéria eleitoral não é matéria criminal. Sustentamos a tese de que a inelegibilidade não é uma sanção, não é uma pena, mas uma condição”.

Mácula

O presidente do TRE do Paraná, Prestes Mattar é categórico ao defender a aplicação da Lei Ficha Limpa. “Sempre fui favorável, mesmo quanto à questão da anterioridade, pois o desejo é do eleitor. Ele deve comandar esse processo.” Para Mattar, os candidatos inidôneos devem ser varridos do processo eleitoral. “Aqueles que não são dignos de serem votados têm de ser afastados”, afirmou ele, considerando ter sido a justiça eleitoral “maculada” com essa indefinição que ainda paira sobre o pleito de 2012.

Também a presidente do TRE do Amazonas, Graça Figueiredo, reclamou da expectativa que se criou com a nova lei e a frustração que decorreu de sua não aplicação imediata. "Já havia pessoas afastadas com os votos contatos em separado. Isso dava esperança de que a Justiça agia com rigor", afirmou. "Tínhamos fatos concretos e casos de candidatos que cometeram homicídios, que foram condenados por tráfico de drogas, uma série de crimes, até hediondos, que tivemos de diplomar", acrescentou.

Opinião semelhante manifestou o presidente do TRE do Pará, Ricardo Nunes, para quem a iniciativa popular foi sábia e representou um avanço institucional na legislação eleitoral. “Afinal, as pessoas que vão nos representar devem ter vida pregressa limpa e sem manchas para que os eleitores e a sociedade tenham condições de se orgulhar de seus representantes.”

Os caminhos da lei

A Lei da Ficha Limpa foi originada de um projeto de iniciativa popular, a partir da campanha Combatendo a corrupção eleitoral, lançada em fevereiro de 1997 pela Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

O objetivo da proposta era impedir que políticos com condenação na Justiça pudessem concorrer às eleições.

A proposta ganhou força ao longo do tempo e se transformou em uma campanha nacional pela sua aprovação – a Ficha Limpa, liderada pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).

O movimento trabalhou mais de um ano para coletar nos 26 estados e no Distrito Federal o 1 milhão de assinaturas necessário (1% do eleitorado nacional) para que o Congresso aceitasse a proposta. Os organizadores, no entanto, foram muito além ao reunir mais de 1,6 milhão de assinaturas (na foto, campanha em Belo Horizonte).

Em 29 setembro de 2009, o projeto de lei popular foi entregue ao presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP), e, para tramitar na Casa, ganhou o número 518/09.

Em 5 de maio de 2010, foi aprovado na Câmara dos Deputados e em 19 de maio no Senado Federal, por votação unânime.

Em 4 de junho de 2010, foi sancionado pelo presidente Lula, transformando-se na Lei Complementar 135, ficando, porém, a dúvida se a regra valeria para as eleições de outubro de 2010.

O julgamento

O caso
O ex-deputado estadual mineiro Leonídio Bouças (PMDB) foi condenado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) em 2002 por improbidade administrativa. Com a condenação por órgão colegiado, veio a inelegibilidade, nos termos da Ficha Limpa. O registro para a candidatura de Bouças para a Assembleia Legislativa de Minas em 2010 foi indeferido. Em seu recurso ao Supremo Tribunal Federal (STF), Bouças questionou o fato de a lei ter sido aplicada com menos de um ano de vigência, já no pleito do ano passado. Ele argumentou também ter sido condenado antes da vigência da lei, que não poderia retroagir em seu prejuízo, questionando o mérito da Ficha Limpa.

Como a Corte se posicionou
Por maioria de votos (6 a 5), o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, em março (foto), que a Lei Ficha Limpa não devia ser aplicada às eleições realizadas em 2010, por desrespeito ao artigo 16 da Constituição Federal, dispositivo que trata da anterioridade da lei eleitoral. De um lado, os ministros do STF Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia – presidente e vice do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) –, Carlos Ayres Britto, Ellen Gracie e Joaquim Barbosa defenderam a aplicação imediata da nova lei. Do outro, os ministros Cezar Peluso, Celso de Mello, Marco Aurélio de Mello, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Luiz Fux sustentaram que a norma não poderia ser aplicada nas eleições de 2010.

O mérito
O mérito da Lei Ficha Limpa ainda não foi julgado. O que o STF terá de decidir, ao analisar a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 29, de autoria do PPS, é se a sua aplicação valerá para fatos ocorridos antes da vigência da norma. Há quem tome emprestado o princípio penal de que a lei não pode retroagir para prejudicar o réu. O argumento, entretanto, não é aceito por vários juristas: o princípio vale para a matéria penal, não para a matéria eleitoral, já que a elegibilidade é uma condição, não uma sanção. Dessa forma, a lei eleitoral estabelece as condições de elegibilidade que podem ser ampliadas de um pleito para outro. O julgamento do mérito não tem data prevista.