O ICBC – uma entidade de promoção cultural, sem quadro próprio de funcionários, sem qualquer experiência com qualificação profissional e já obrigada a devolver dinheiro ao ministério em outras parcerias – apenas desenvolveu um site com textos sobre as entidades que atuam no Bem Receber Copa. Apesar de ter pago pelo serviço, o ministério não tem um instrumento para fiscalizar os gastos no programa.
A entidade, conhecida como Casa Brasil de Cultura, está em pé de guerra com o Ministério do Turismo. “Ninguém vem aqui para ver se a gente existe. A culpa pelo que está acontecendo é do ministério”, afirma o diretor do ICBC, Germano Roriz. Segundo ele, faltam critérios aos convênios e termos de parceria firmados pela pasta. A situação teria se complicado neste ano, desde a posse de Pedro Novais. “Foi o ministério que insistiu para o ICBC permanecer no Bem Receber Copa”, diz o diretor ao Estado de Minas.
“Eu não faço mais nenhuma parceria ou convênio. Não vale a pena.” A briga se estende à Justiça. Num processo que tramita no Tribunal Regional Federal (TRF), em Brasília, o ICBC se recusa a devolver parte do dinheiro ao ministério. A pasta identificou uma apropriação de recursos indevida pela entidade e determinou a devolução. A entidade contesta e a briga se arrasta no Judiciário.
Apesar do tom adotado contra o ministério, o ICBC – que é uma organização da sociedade civil de interesse público (Oscip) – é um contumaz prestador de serviços à pasta, sempre sem qualquer tipo de seleção pública. O modelo encontrado para contratar a entidade é o termo de parceria, nas mais diferentes áreas. Foram mais de 20 parcerias entre 2006 e 2010, com repasses superiores a R$ 10 milhões.
Os serviços são os mais diversos: da organização de um festival de música instrumental à realização de workshops internacionais na área de turismo. A execução dos serviços é permeada por diversas irregularidades e por constantes pedidos de devolução de dinheiro. Mesmo assim, o ICBC, sediado em Goiânia, ganhou do Ministério do Turismo a atribuição de monitorar a execução do Bem Receber Copa por dez entidades contratadas.
Todo o dinheiro já depositado na conta da entidade não foi suficiente para a implantação do Observatório. A última fiscalização feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU), cujo relatório foi aprovado em plenário em 24 de agosto, atesta que “não foi possível comprovar o efetivo funcionamento do sistema informatizado de monitoramento”. Conforme o TCU, não há qualquer informação sobre os profissionais qualificados pelo programa.
O Estado de Minas esteve na sede do ICBC, que fica num casarão antigo de dois andares no Centro de Goiânia. O funcionário responsável pelo Observatório não atua no local, praticamente vazio no térreo – há apenas uma secretária na entrada – e dividido em salas no andar superior. Na tarde de sexta-feira, quando o Estado de Minas esteve na casa, trabalhavam nos escritórios apenas dois funcionários e programadores contratados para desenvolver o site da entidade.
O diretor do ICBC, Germano Roriz, mostrou o site do Observatório, desenvolvido para monitorar os gastos com o Bem Receber Copa. Há apenas notícias no portal e nenhum programa de acompanhamento do projeto. “O que a gente fez foi desenvolver uma ferramenta para o ministério monitorar os repasses. É ele que monitora como o dinheiro é gasto.”
Prática recorrente
As irregularidades na execução de outros termos de parceria entre o ICBC e o Ministério do Turismo já renderam um procedimento administrativo de 10 volumes aberto pelo Ministério Público Federal (MPF) de Goiás. Relatórios de acompanhamento das parcerias, enviados pela própria pasta ao MPF, mostram uma prática recorrente da diretoria do ICBC: por conta própria, os diretores destinam parte da verba para “coordenação executiva” dos projetos.
O dinheiro seria usado para remunerar os diretores e para despesas administrativas da entidade, o que foi considerado ilegal pelo ministério. Numa das parcerias, a pasta pediu a devolução de R$ 79,2 mil usados com essa finalidade. Foram emitidos cinco cheques pelos diretores para o uso dessa verba. Outro repasse, de R$ 12,5 mil, rendeu o processo que tramita na Justiça. Para a União, a iniciativa do ICBC “fere o princípio da moralidade”, como consta no processo.
A investigação do MPF já detectou um aumento dos ativos da Oscip, de R$ 20,3 mil em 2004 para R$ 1,8 milhão em 2007, conforme informações fornecidas pela Receita Federal. O órgão não repassou o valor do patrimônio da entidade registrado nos anos seguintes. O ICBC também já foi obrigado a devolver o dinheiro gasto com passagens aéreas para Milão, Roma e Londres. A participação de funcionários em workshops internacionais, fora dos planos de trabalho apresentados ao ministério, foi considerada ilegal. Outras irregularidades apontadas foram a dispensa de licitação para contratar empresas, ausência de pesquisa de preços e notas fiscais emitidas fora do prazo do termo de parceria.
Diretor vai propor devolução do dinheiro à pasta
"Nós somos muito sérios. Não somos uma empresa de fachada.” A afirmação é do diretor do ICBC, Germano Roriz, que nega irregularidades na parceria relacionado ao Bem Receber Copa. “Nós temos todos os produtos, todas as prestações de contas. Partimos do nada para construir essa ferramenta que é o Observatório.”
O diretor afirma que a relação com o ministério “não é boa”. “Faltam critérios para os convênios.” Ele diz que estará em Brasília nesta semana, para uma reunião com diretores da pasta. Na ocasião, segundo ele, manifestará pela devolução do dinheiro cujos repasses foram considerados ilegais, por custear despesas administrativas. Germano nega que o dinheiro tenha sido utilizado para remunerar os diretores do ICBC.
Sobre a disposição do diretor do ICBC de romper com o ministério, a pasta informa que não foi informada oficialmente sobre essa decisão. “O Ministério do Turismo aguarda a decisão judicial”, diz a assessoria de imprensa do órgão, referindo-se ao processo que tramita na Justiça Federal sobre a suposta ilegalidade nos gastos em despesas administrativas, como conta de água, luz, gás e telefone da sede do instituto.
O ministério diz que firma termos de parceria com a entidade pelo fato de ela ter sido criada por “professores, profissionais liberais, artistas e intelectuais da Região Central do país”. A parceria para o monitoramento do Bem Receber Copa, segundo a pasta, inclui o acompanhamento das fases dos cursos por meio de fotos e informações atualizadas por parte da população. “O objetivo é dar transparência à ação da pasta.”
Escalada de denúncias
Ministro do Turismo já foi alvo de diversas acusações desde a nomeação em dezembro:
Motel
Pedro Novais (foto) usou dinheiro da cota parlamentar para pagar despesas num motel em São Luís, em 2010.
Operação Voucher
Ação da Polícia Federal prendeu oito integrantes do ministério, entre eles o então secretário-executivo, Frederico Costa.
Copa
Irregularidades chegam ao Bem Receber Copa, como mostrou o EM. Programa é vitrine da gestão de Novais e voltado à qualificação de trabalhadores para a Copa do Mundo em 2014.
Passado
Documento produzido pelo Serviço Nacional de Informações (SNI) em 1979, durante a ditadura militar, aponta suspeita de atos de improbidade administrativa e desvio de recursos públicos quando Novais era deputado da Arena.
Governanta
Reportagem publicada ontem pela Folha de S. Paulo mostrou que a governanta do apartamento do então deputado Pedro Novais foi paga com salário da Câmara, entre 2003 e 2010.