A farra com o dinheiro público envolve pelos menos 74 dos 513 deputados que tiveram assento na Câmara no ano passado. No total, eles enviaram 165 emendas para estados onde não recebem nenhum voto. O levantamento aponta ainda que Brasília e o entorno funcionam como um verdadeiro celeiro de ONGs que têm a preferência absoluta dos políticos. A posição estratégica da capital do país atrai investidores e entidades, especialmente pela proximidade com o patrocinador – o Congresso Nacional – e com os principais financiadores – os ministérios do Turismo, Ciência e Tecnologia e do Trabalho.
Suspeitas
Essa realidade fica ainda mais evidente se considerado que as três entidades que mais receberam o recurso público das emendas de 2010 são de Brasília. O Orçamento Brasil revela que nos três primeiros lugares no ranking das agraciadas com emendas de outros estados estão o Instituto Brasileiro de Hospedagem (IBH), o Instituto de Pesquisa e Ação Modular (Ipam) e o Instituto Educar e Crescer (IEC), todas já investigadas por suspeitas de fraudes na aplicação dos recursos. E pior: demonstra que os parlamentares não se intimidam com as apurações da Controladoria Geral da União (CGU) e insistem em beneficiar as entidades sob suspeita, como ocorre com o IEC, beneficiado no ano passado por pelo menos seis políticos. O instituto engordou seus cofres com mais de R$ 3 milhões em emendas parlamentares.
Outra curiosidade revelada pelos números do orçamento é a capacidade das ONGs beneficiadas com recursos públicos de fazer de tudo um pouco. Promovem festas com verbas do Ministério do Turismo e também distribuem insumos para a correção do solo com recursos do Ministério da Agricultura, como uma entidade do Pontal do Triângulo Mineiro, favorecida em 2010 com emendas do forrozeiro Edigar Mão Branca (PV) da Bahia , que não se reelegeu, e do deputado Efraim Filho (DEM), da Paraíba. Elas ainda promovem cursos profissionalizantes, cuidam de gestantes, de produtores rurais, população de rua, além dos eventos culturais. Um exemplo é o caso do Centro de Capacitação, Treinamento e Cultura Terra Viva, de Belo Horizonte, que recebeu emenda do deputado Aelton de Freitas (PR-MG) para “alavancar a indústria da cultura em comemoração aos 50 anos de Brasília”.
Em casa
Para não deixar rastro dos verdadeiros beneficiados, o recurso público percorre caminhos tortuosos passando por uma triangulação que envolve empresas de fachada, assessores políticos e funcionários comissionados e até mesmo parentes em primeiro grau dos parlamentares, como o deputado federal Eduardo Gomes (PSDB-TO) – primeiro-secretário da Câmara dos Deputados –, que destinou R$ 300 mil para a ONG Muito Especial, com sede no Rio de Janeiro, cujo responsável, Marcus Robertson Scarpa, é sócio da filha do parlamentar tucano. A entidade Ação Social Luz da Manhã, também do Rio de Janeiro, foi a escolhida para receber R$ 150 mil do deputado mineiro Júlio Delgado (PSB). Sem problema, não fosse o fato de a sede da entidade estar instalada em um apartamento em prédio onde nenhum morador consegue explicar a existência da ONG.
Se o financiamento público de campanha ainda é uma discussão da reforma política, na prática o expediente já vem sendo usado pelos parlamentares por meio de emendas. A LOA 2010 revela que os deputados também não se constrangem em destinar dinheiro público para ONGs comandadas por militantes de suas legendas ou ligadas diretamente ao partido. Comandada por dirigentes do PCdoB de São Paulo, a Confederação Nacional das Associações dos Moradores (Conam), na capital paulista, recebeu verba da senadora e ex-deputada federal comunista da Amazônia Vanessa Grazziotini.
Já o deputado federal Lindomar Garçon (PV), eleito para o segundo mandato por Rondônia, resolveu destinar uma emenda de R$ 500 mil do Ministério do Turismo para alavancar o turismo. Detalhe: em Minas Gerais e não em Rondônia, onde obteve na disputa de 2010 quase 35 mil votos. Segundo a assessoria do deputado, a destinação para Minas foi um “erro de digitação”.