Jornal Estado de Minas

Projeto que cria Comissão da Verdade deve caminhar sem reviravoltas no Senado

Governo e integrantes de movimentos de Direitos Humanos temem que proposta aprovada na Câmara, na quarta-feira, fique parado nas comissões

Alana Rizzo Junia Gama

Os ministros José Eduardo Cardozo e Maria do Rosário fecharam o acordo no banheiro dos Democratas - Foto: Monique RennĂ©/CB/D.A PRESS - 8/6/11

Sem reviravoltas. É assim que o governo espera aprovar a criação da Comissão da Verdade no Senado, depois de uma tensa negociação na Câmara dos Deputados. O texto aprovado pelos deputados na quarta-feira não deve sofrer alterações, não somente pela ampla maioria governista no Senado mas, principalmente, por conta da satisfação da oposição com as emendas que conseguiu inserir na última hora. Integrantes do movimento de defesa dos direitos humanos e do governo temem, entretanto, que a proposta fique parada em comissões, como está ocorrendo com o projeto de lei de acesso à informação, por conta de resistências dos ex-presidentes e hoje senadores Fernando Collor (PTB-AL) e José Sarney (PMDB-AP). Dos Estados Unidos, onde participou da Assembleia Geral da ONU, a presidente Dilma Rousseff comemorou a aprovação do projeto: "Acredito que é importante para o Brasil a aprovação dessa lei e também para a posição do Brasil diante do mundo".

No Senado, a relatoria da Comissão da Verdade deve ficar com Aloysio Nunes (PSDB-SP), considerado um tucano da ala mais progressista por setores de esquerda. “O texto não deve sofrer alterações e caberá a nós acompanhar a prática efetiva da Comissão, para que mostre sua eficácia. Não há como ter imparcialidade frente à prisão ilegal, tortura, morte, desaparecimento de corpos, censura, covardia da repressão do Estado contra a cidadania”, argumenta o líder do PSOL, Chico Alencar (RJ). “Não há muita dificuldade, tivemos reuniões preliminares com os ministros e temos uma posição tranquila. É preciso agora acompanhar e denunciar se ela se transformar na comissão da mentira”, disse o senador Álvaro Dias (PSDB-PR).

A Comissão da Verdade será formada por sete pessoas, nomeadas pela presidente Dilma Rousseff, e por outros 14 servidores para a estrutura administrativa. Oposição e familiares das vítimas cobram imparcialidade e criticam a concentração de poderes nas mãos da presidente. Entre os nomes cogitados para o grupo estão os do ex-vice-presidente da República Marco Maciel e do ex-governador de São Paulo Cláudio Lembo.


A comissão, definida por integrantes do governo como “não jurisdicional e não persecutória”, daria mais segurança aos militares para repassarem informações. O objetivo é o “resgate da memória histórica”. O grupo deve se debruçar sobre assuntos ainda pouco explorados, como o financiamento dos governos militares, o número de torturados no país e a Operação Condor. A localização dos restos mortais das vítimas do regime está entre as atribuições, mas o governo já intensificou as buscas para atendera a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos. O Grupo de Trabalho Araguaia começou nessa quinta-feira a terceira expedição em Xambioá, no Tocantins. Uma ossada já foi recolhida pelo grupo em um cemitério e está sendo analisada por peritos.


Alívio


No dia seguinte à aprovação do projeto que cria a Comissão da Verdade, a sensação de alívio do governo e a demonstração de força da oposição ficaram latentes. As negociações para que o texto passasse pelo crivo da Câmara se prolongaram durante horas, inclusive depois do início da apreciação do projeto. Enquanto diversas reuniões ocorriam simultaneamente nos corredores e gabinetes do Congresso, os protagonistas da noite de quarta-feira tiveram que se apertar dentro do banheiro da liderança do DEM para conseguir privacidade. Os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, fecharam o texto da emenda apresentada pelo PSDB com o líder do partido, Duarte Nogueira (SP), e o líder da minoria, Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), além do presidente da Casa, Marco Maia (PT-RS), no espaço de 1,5m por 2,6m.


Com o texto finalizado, os dois ministros correram para o banheiro da Presidência da Câmara e telefonaram à presidente Dilma Rousseff, em Nova York, para relatar o acordo. Com o aval de Dilma, correram de volta ao Plenário e conseguiram finalizar a votação.


O termo “imparcialidade”, considerado subjetivo pelo governo e pelos familiares de vítimas da repressão, foi inserido pelo DEM como emenda no início da noite. O acordo inicial previa uma outra redação textual, que teria desagradado à presidente Dilma.