O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes saiu nesta quarta-feira em defesa da corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Eliana Calmon, e admitiu que o Judiciário, como qualquer outra instituição, enfrenta casos isolados de desvios de conduta. O ministro disse não ver más intenções nas declarações de Eliana - de que a magistratura "está com gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga" - e atribuiu a frase ao envolvimento dela com a atuação na corregedoria. "Acredito até que a ministra está muito estimulada com seu trabalho. Quem lida com problemas concretos certamente se empolga e quer resolvê-los", afirmou Mendes, que participou de seminário sobre guerra fiscal realizado na capital paulista.
As afirmações de Eliana foram feitas em entrevista à Associação Paulista de Jornais (APJ) e causaram fortes reações, especialmente do presidente do CNJ e do STF, Cezar Peluso. Em nota divulgada nessa terça-feira, o CNJ afirmou que "repudia veementemente acusações levianas e que sem identificar pessoas nem propiciar qualquer defesa lançam sem prova dúvidas sobre a honra de milhares de juízes".
"Acredito que ela se referiu a grupos, segmentos, pequenos focos distorcidos que existem em quaisquer carreiras", afirmou Mendes. "Claro que temos problemas na instituição, como temos em qualquer outra organização. Vamos encontrar problemas no Ministério Público e na polícia - e na política os senhores estão cansados de revelar", comentou, dirigindo-se aos jornalistas.
Na tarde desta quarta-feira, está previsto no STF julgamento de ação movida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) que questiona a competência da Corregedoria Nacional de Justiça para abrir investigações contra juízes suspeitos de irregularidades. "Acredito que não se possa restringir o trabalho da corregedoria", afirmou. "Sei também que a corregedoria não consegue ser uma grande corregedoria", salientou o ministro, ao comentar que o órgão atua em 90 tribunais em todo o País e fiscaliza 18 mil juízes. "Imaginar que um órgão em Brasília vai conseguir supervisionar todo esse trabalho é ser um pouco ingênuo."
Ele admitiu que os integrantes do CNJ tem dificuldades em investigar seus colegas muitas vezes por falhas nas corregedorias regionais. "De fato, o CNJ não tem capacidade de responder a todas as demandas", afirmou. "Ele hoje é um grande Muro das Lamentações. Mas ele repassa as reivindicações."
Para o ministro, os problemas enfrentados no Judiciário estão sendo solucionados graças ao empenho do CNJ. Ele lembrou da sua atuação na presidência do conselho. "Na minha gestão, havia uma plena afinidade entre o meu trabalho e o do corregedor Gilson Dipp", afirmou, evitando ir além disso na comparação com a gestão do sucessor, Cezar Peluso.
De acordo com Mendes, os problemas detectados pelo CNJ vão além da identificação de desvios de conduta. "Muitos dos problemas não têm a ver com desvio de conduta ou corrupção, são problemas da não funcionalidade do sistema e para isso precisamos de institucionalização, que é o que o CNJ tem tentado fazer: regular o horário de trabalho dos juízes, os plantões de fim de semana, o nepotismo e a questão dos cartórios", disse.
Ele defendeu ainda a institucionalização dos mecanismos de controle do Judiciário, entre eles a prestação de contas. "É preciso aumentar o controle de várias formas para permitir saber se o ministro está atrasado com o processo", exemplificou.
Limão e limonada
O ex-presidente do CNJ e do STF lamentou a tensão em torno das declarações da corregedora. "A tensão é compreensível, mas temos de fazer deste limão uma limonada para construir um Judiciário mais forte. Não vejo com bons olhos essa tensão entre a corregedora e os outros", afirmou.
Mendes condenou o desperdício de energia com esse tipo de discussão e disse que é preciso canalizar os esforços do CNJ para ações mais construtivas. "Estamos perdendo tempo com debates às vezes filosóficos", criticou.
Embora tenha admitido casos isolados de desvio de conduta, ele negou que a reação dos juízes às declarações da corregedora signifique corporativismo. "Não há essa coisa de corporativismo, pelo contrário, os juízes hoje são muito críticos. Mas as incompreensões mútuas vão criando este tipo de situação."
O ministro insistiu para que o debate volte à racionalidade. "Temos de 'desemocionalizar' um pouco esse debate. Aqui não tem Corinthians x Palmeiras nem Fla x Flu. Temos de ter calma para dar continuidade ao assunto", afirmou.