Bruxelas – O ministro do Esporte, Orlando Silva, disse ontem que o governo está disposto a rever a redação do Projeto da Lei Geral da Copa, enviado ao Congresso há duas semanas, para atender exigências da Fifa, a entidade máxima do futebol mundial. A declaração foi feita ao lado do secretário-geral da entidade, Jérôme Valcke, logo após uma reunião que os dois tiveram com a presidente Dilma Rousseff. Ela está na Bélgica para a 5ª Cúpula Brasil-União Europeia, e decidiu abrir um espaço na agenda oficial e receber pela primeira vez um dirigente da Fifa.
A reunião, que ocorreu a portas fechadas no hotel onde a delegação brasileira está hospedada, foi acertada na última hora. Até sexta-feira, não era prevista a ida do ministro do Esporte a Bruxelas – o nome dele nem sequer constava na lista de autoridades da viagem. Após grande insistência por parte da Fifa, Dilma concordou em abrir o diálogo. Ficou acertada uma nova reunião para a próxima semana.
No fim do mês, segundo Valcke, o presidente da entidade, Joseph Blatter, deverá ir a Brasília para se encontrar com Dilma. Ele disse que haverá uma declaração conjunta de ambos, e até mesmo uma entrevista coletiva à imprensa, sobre “o acordo que estamos concluindo e que assinaremos entre o Brasil e a Fifa”.
Os dirigentes da Fifa estão preocupados com várias das regras previstas para o Mundial de 2014: a meia-entrada para estudantes e idosos; a proibição de vender bebidas de estádios; a oferta de voos internos e de hospedagem a preços que não sejam muito elevados; e o uso de imagens dos jogos por empresas que não pagaram por direitos de transmissão.
Ao lado de Valcke, o ministro do Esporte procurou deixar claro que o governo não tem responsabilidade sobre a maior parte dessas questões. A venda de bebidas, disse, faz parte do regulamento da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), a partir de um acordo com o Ministério Público. A meia-entrada de estudantes é assunto tratado em leis estaduais. “A própria Fifa, tenho certeza, pautará esse diálogo com os governos locais. E de nossa parte, o que for possível colaborar para o ambiente ficar mais harmônico nós faremos”, disse ele.
O uso de imagens é o ponto com mais chances de avançar, segundo Orlando Silva. “O acesso à informação está garantido pelo flagrante jornalístico. A preocupação relativa à manipulação desse acesso (jornalístico) às imagens, seja com fins comerciais, seja para divulgação em outros países, não é só da Fifa, é uma preocupação nossa. Esse é um exemplo de que a redação pode ser aperfeiçoada para evitar manipulação”, afirmou o ministro do Esporte. Ele disse também que o projeto poderá ser alterado para garantir que o credenciamento de jornalistas seja feito pela Fifa e que o governo brasileiro indenizará a Fifa se causar prejuízos à entidade, por ação ou omissão.
“Foi a primeira vez que nós da Fifa tivemos a oportunidade de nos expressar e de trocar informações com a presidente, a senhora Rousseff. Tivemos a oportunidade de dizer que ou nós trabalhamos juntos, e isso será um ganha-ganha, ou não trabalhamos juntos, e ambos perdemos: a Fifa e o Brasil”, disse o secretário-geral da entidade.
Valcke afirmou que não há dúvidas na Fifa quanto à obrigação de cumprir leis locais. “Temos que garantir que a Constituição brasileira seja aplicada, assim como os direitos da Fifa sejam protegidos.” Ele ponderou que é preciso lembrar que a Copa é um evento único, sobre o qual não devem ser aplicadas algumas regras que valem para outros. “Vocês têm de entender que a Copa do Mundo é financiada por parceiros privados e nós nunca, nunca nos colocamos, ou os colocamos, em uma situação negativa em relação a esses compromissos. Vamos proteger nossos parceiros comerciais, TVs e patrocinadores tanto quanto pudermos. E está claro que isso será parte da discussão”, afirmou.
O secretário-geral da Fifa disse que não há preocupação quanto aos estádios, que estarão prontos até a Copa, ainda que nem todos, talvez, para a Copa das Confederações, em 2013. No dia 20, a Fifa anunciará em que cidades serão realizados todos os jogos, da abertura à final. “Eu já sei quais são. Mas cabe ao comitê-executivo dar a palavra final.”
Análise da notícia
E o legado. como fica?
Até onde o governo brasileiro pode ceder às exigências da Fifa para a realização da Copa do Mundo quando há dúvidas sobre o legado social do evento? Os temas discutidos até agora são a meia-entrada para estudantes e idosos e a proibição da venda de bebidas alcoólicas – dois pontos em vigor na maioria dos estádios do país, mas que a Fifa pretende ignorar de forma solene. É preciso de fato discutir se, ao abrir mão de tais regra, estamos entregando a nossa soberania. Mas há algo ainda mais caro à população. Refiro-me aos ganhos sociais com as obras e organização do Mundial. É que os brasileiros estarão aqui quando a Copa acabar, em meados de julho de 2014. Os cartolas e empresários da Fifa, por sua vez, já estarão com a cabeça na Rússia, a sede em 2018. Sem meia-entrada e com cerveja.(Leonardo Cavalcanti)