Já está em vigor em Minas Gerais uma resolução conjunta das Secretarias de Planejamento e de Desenvolvimento Social que autoriza o uso do nome social dos travestis e transexuais em documentos de identificação funcional e em comunicações internas do Poder Executivo. Ela também autoriza o uso do nome social nas certidões e documentos emitidos pelo governo, sem prejuízo do nome verdadeiro, que deverá constar dos documentos que exijam esse tipo de identificação. Segundo a resolução, nome social é “a forma pela qual as pessoas travestis e transexuais se reconhecem, são identificadas e denominadas pela comunidade e em sua inserção social”.
Essas regras, que valem desde segunda-feira, são uma das conquistas da Coordenadoria Especial de Políticas de Diversidade Sexual do Estado de Minas Gerais, comandada por Walkiria La Roche, que há 25 anos milita a favor dos direitos humanos e da população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros). A resolução do governo de Minas foi publicada sábado, mesma data da 2ª Conferência Estadual dos Direitos LGBT, que elegeu os representantes do estado para o encontro nacional, marcado para dezembro.
Para Walkiria, a resolução não é uma “perfumaria nem um luxo”. “Além de garantir o não constrangimento, a determinação para que seja também aceito em documentos do estado o nome social dos travestis e transexuais vai nos subsidiar de dados sobre essa população, principalmente para que a gente possa atuar em duas áreas que são o principal problema para essas pessoas: educação e segurança”, comenta Walkiria.
Segundo ela, com essa resolução vai ser possível ter dados concretos sobre os alunos transexuais e travestis matriculados na rede pública ou em busca de vagas, dos casos de homofobia, já que essa informação vai passar a constar dos boletins de ocorrência e dos comunicados de crimes emitidos pelas polícias, e também sobre os servidores da administração pública.
Antes de assumir a coordenadoria, Walkiria comandava o Centro de Referência Homossexual, criado em 2006 pelo governo Aécio Neves (PSDB). Também já foi presidente da Associação dos Travestis e Transexuais de Minas Gerais e coordenou o Centro de Referência da Diversidade Sexual da Prefeitura de Belo Horizonte, criado durante a gestão do ex-prefeito Patrus Ananias. “Nossa atuação no centro foi pioneira, pois há quase 20 anos essa era uma temática difícil de ser discutida pelo poder público”, afirma Walkiria, uma otimista quando o assunto é o combate à homofobia.
O centro foi criado a partir da atuação da Associação dos Travestis e Transexuais de Minas Gerais (Astrav), da Associação de Lésbicas de Minas Gerais (Alem) e de outros organizações não governamentais. “Depois virou um centro, na verdade, uma sala dentro da prefeitura com uma estrutura enxuta. Depois se transformou em um núcleo dentro do governo do estado, com toda a estrutura de trabalho, e agora uma coordenadoria.”
AVANÇOS
Apesar dos ataques contra a comunidade LGBT registrados com frequência em diversos cantos do país, ela acredita que a diminuição do preconceito, ainda que lentamente, ocorre porque a luta dos homossexuais em defesa de direitos iguais tem obtido alguns avanços. Além da mais recente conquista do nome social, ela destaca a iniciativa pioneira da coordenadoria de criar, quando ainda era um núcleo, uma ala exclusiva para travestis e transexuais em um presídio em São Joaquim de Bicas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. O projeto chegou a ser referência para o governo italiano. Segundo ela, nos próximos dois anos o estado vai ampliar a experiência para o interior.
Formada em educação física e gestão pública, Walkiria também dá aulas sobre direitos humanos e a questão sexual nos cursos de formação das polícias Civil e Militar e também para o Corpo de Bombeiros. “A violência ainda me preocupa muito e tenho consciência de que a luta contra o preconceito é eterna. Vou morrer brigando por essa causa. O que me move é a indignação, o descaso por parte das autoridades ao fato de que vivemos em um país diverso culturalmente e que essa diversidade tem de ser respeitada.”
PIADAS
Apesar de ter um cargo de chefia na administração pública e ser muito bem resolvida com sua sexualidade, como faz questão de frisar, nem ela escapa do preconceito. Na semana passada, ao chegar para trabalhar na Cidade Administrativa, ela conta ter sido alvo de piadas de mau gosto por parte de dois funcionários que estavam na entrada do prédio onde trabalha. “Na mesma hora fui lá falar com eles”, conta Walkiria, expulsa de casa na adolescência. “Sou vítima de preconceito há muitos anos. Senti e sinto até hoje esse violência psicológica e moral contra os homossexuais. Acho inviável, impensável que alguém seja agredido por qualquer motivo que seja, mais ainda pela questão da opção sexual, que é uma coisa tão pessoal, que não diz respeito a ninguém.”