Jornal Estado de Minas

Hotéis trazem risco de sombra a obras de Niemeyer na Pampulha

Prefeitura autorizou a construção de três hotéis, com cerca de 15 andares cada, no entorno do complexo arquitetônico da Pampulha, ameaçando um dos maiores símbolos da capital

Amanda Almeida

*Atualizada às 9h39

 

- Foto: Euler JĂșnior/EM/D.A Press
Alvo antigo da cobiça de construtoras, o complexo da Pampulha, conhecido internacionalmente pelas obras de Oscar Niemeyer, está novamente sob ameaça de verticalização. Mas o que ficou apenas no papel em outras vezes, agora já chegou aos canteiros de obra. A construção de pelo menos três espigões com cerca de 15 andares já recebeu o aval da Prefeitura de Belo Horizonte, com o respaldo de brechas na legislação aprovada pelos vereadores. Os prédios surgem sob o argumento de melhorar a infraestrutura hoteleira da capital para a Copa do Mundo’2014, mas já teriam destino certo depois do Mundial: prédios residenciais.

Aprovadas no ano passado, as leis 9.952 e 9.959, com origem no Executivo, criaram a situação ideal para construtoras ocuparem parte da Pampulha. Enquanto a última tirou algumas quadras da área de diretriz especial (ADE) da região – o que garantiria a proteção –, a outra permitiu a construção de mais andares em hotéis. O benefício foi dado a título de estímulo ao crescimento da infraestrutura hoteleira. Questionada sobre os projetos aprovados para o Mundial de futebol, a prefeitura informou que são 20 hotéis, mas alegou “questões administrativas” para se negar a dar mais informações, como localização ou o número de andares.

O que os moradores da Pampulha sabem é que pelo menos três dos empreendimentos aprovados estão na região do complexo. A cerca de 300 metros da lagoa, na esquinas da Avenida dos Palmeiras e da Rua Roquete Mendonça, no Bairro São José, as escavações para a construção do Bristol Skalla já haviam começado quando o Iepha pediu a interdição da obra, alegando que estava em área tombada e o órgão não recebeu o projeto da obra para analisá-lo. Apesar da ordem de paralisação, na sexta-feira, cerca de 10 funcionários trabalhavam no terreno. Questionado pela reportagem sobre o que estava sendo construído, o encarregado da obra, que não se identificou, disse que os pedreiros erguiam um prédio de 16 andares.

Segundo o Iepha, a prefeitura acatou a recomendação, mas as escavações teriam danificado a estrutura de uma casa vizinha e, por isso, a empresa ganhou autorização para construir um muro de arrimo. A Bristol ainda pode pedir ao Iepha autorização para construção do hotel. Mas, segundo o diretor de Conservação e Restauração do órgão, Renato César de Oliveira, se o projeto for o mesmo, não deverá ser aprovado. “Está no perímetro de proteção, em que não se pode erguer grandes construções”, explica. Questionada sobre o tamanho do hotel, a Bristol não retornou a ligação do jornal.

Apesar do rigor do órgão nesse caso, outros dois projetos de hotéis foram aprovados pelo Iepha no perímetro de entorno protegido. “São permitidos por lei municipal que flexibiliza o uso desses espaços e o Iepha não se manifestará sobre isso”, argumenta Renato. Eles estão na Avenida Alfredo Camarate, no Bairro São Luís, a cerca de 700 metros da lagoa. São dois hotéis vizinhos que teriam cerca de 15 andares: o Bristol Stadium e o Bristol Brisa. Na semana passada, funcionários trabalhavam na fundação da obra. Trezentos apart-hotéis já teriam sido vendidos pela empresa, que deve lançar em breve mais 150 unidades.

Reclamação Apesar de terem notícias das obras, os moradores dizem que não têm informações oficiais sobre os projetos aprovados pela prefeitura. A Pro-civitas (Associação dos Moradores dos Bairros São Luís e São José) recorreu ao Ministério Público Estadual (MPMG) contra a construção nas avenidas Palmeiras e Alfredo Camarate. “Estamos assistindo a tentativa de verticalização da Pampulha há anos. Foram muitas investidas e agora começaram as obras. Isso deveria ter sido tratado com mais transparência pelos agentes públicos”, diz a presidente da associação, Juliana Renault.

O MPMG abriu dos inquéritos civis para investigar a construção de hotéis no complexo. A promotora responsável não foi localizada pela reportagem. “Sou completamente contrária à verticalização da Pampulha. A cidade não precisa de mais áreas de concentração de moradores, prédios e carros. Temos de caminhar para o contrário, com áreas mais preservadas”, alega a moradora e arquiteta Susana Meinberg. Parte da Pampulha também é tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Em viagem, o superintendente do órgão em Minas não pôde falar sobre o caso.